Table Of ContentCopyright © 2014 by Jean Marcel Carvalho França
Copyright © 2014 by Sheila Hue
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o
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Diretor editorial: Marcos Strecker
Editor responsável: Estevão Azevedo
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Editora de arte: Adriana Bertolla Silveira
Editor digital: Erick Santos Cardoso
Preparação: Maria Fernanda Alvares
Revisão: Tomoe Moroizumi
Diagramação: Diego de Souza Lima
Capa: Samir Machado de Machado
Mapa das expedições: karmo
a
1 edição, 2014
cip-brasil. catalogação na publicação
sindicato nacional dos editores de livros, rj
França, Jean Marcel Carvalho
F881 Piratas no Brasil : as incríveis histórias dos ladrões dos mares
que pilharam nosso litoral / Jean Marcel Carvalho França, Sheila
Hue. - 1. ed. - São Paulo : Editora Globo, 2014.
224 p. : il. ; 23 cm.
Inclui bibliografia
isbn
978-85-250-5855-3.
1. Piratas - Brasil - História. 2. Brasil - História - Período colonial,
1500-1822. I. Hue, Sheila. II. Título.
CDD: 981.032
14-16192 CDU: 94(81).025
Direitos exclusivos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos por Editora Globo S. A.
Av. Jaguaré, 1485 — 05346-902 — São Paulo / SP
www.globolivros.com.br
Sumário
Capa
Folha de rosto
Créditos
Apresentação
i. Thomas Cavendish (1591)
Rota da expedição de Thomas Cavendish
A missa de Natal na vila de Santos
ii. James Lancaster (1595)
Rota da expedição de James Lancaster
Uma expedição lucrativa
iii. Jean-François du Clerc (1710)
Rota da expedição de Jean-François du Clerc
O cobiçado porto da América portuguesa e a combalida Marinha de
guerra francesa
Rota da invasão terrestre de Jean-François du Clerc
O combate endurece no centro da cidade
iv. René Duguay-Trouin (1711)
Rota da expedição de René Duguay-Trouin
Vingador de Du Clerc?
Cenário das invasões
Thomas Cavendish (1591) e James Lancaster (1595)
Bibliografia
Caderno de imagens
Notas
Apresentação
A pirataria no litoral brasileiro
Piratas e corsários
A pirataria é uma velha conhecida do Ocidente. Já no século viii a.C. os gregos
a praticavam com certa assiduidade no mar Egeu. Não por acaso, a Odisseia,
um livro repleto de aventuras marítimas, traz inúmeras menções aos homens
que, “cortando as salgas vagas” com suas “embarcações errantes”,
emboscavam e saqueavam as naus daqueles que não podiam prescindir das
vias marítimas para se deslocar ou para transportar suas mercadorias. Eram os
“ruins piratas”, que infestavam o mar “expondo as vidas para infortúnio e
dano de estrangeiros”.
[1]
Os romanos também conviveram, ao longo de toda a existência do seu
vasto e poderoso Império, com os tais “ruins piratas”. Daí os esforços que
empreenderam para controlar o mar Mediterrâneo, o Mare Nostrum [nosso
mar], e livrá-lo dos homens que tanto medo levavam às cidades portuárias do
Império e tanta insegurança geravam entre os que se viam, por dever de ofício
ou necessidade, obrigados a navegá-lo. Plutarco narra que, durante as Guerras
Mitridáticas, no século i a.C., quando a segurança do Mediterrâneo andou
descuidada, o número de embarcações piratas que circulavam por lá beirava o
milhar, e o número de cidades costeiras atingidas pelo flagelo não era menor
que quatrocentos. O problema se agravou com a dissolução do Império
[2]
romano e, mais ainda, depois das levas de mulçumanos que se instalaram na
península Ibérica a partir do século viii. Ao norte, entre o Báltico e o canal da
Mancha, o problema eram os piratas escandinavos e normandos, bandidos que
por séculos levaram o terror às regiões costeiras da Escandinávia, da
Germânia, das ilhas britânicas e da França.
[3]
Os piratas que povoam este livro, no entanto, não são exatamente iguais
a seus antecessores. Há, é verdade, quem diga que se trata de um velho
personagem num tempo e num mundo novos, mas não é bem assim. A
pirataria dos séculos xvi, xvii e xviii, a denominada pirataria moderna, nasceu
com o descobrimento do Novo Mundo, com o descobrimento da América, na
última década do século xv. O inesperado retorno de Colombo do que o
[4]
navegador ainda acreditava ser Cipango (Japão) desencadeou uma verdadeira
corrida pelo controle do Atlântico entre as duas potências marítimas de então,
Portugal e Espanha, corrida que levou, em 1494, à assinatura do conhecido
Tratado de Tordesilhas. O tratado consagrava o princípio do Mare clausum [mar
fechado], que garantia a liberdade de circulação pelos mares conhecidos ou a
conhecer e a posse sobre as terras aí descobertas ou a descobrir somente aos
dois reinos peninsulares. Em outras palavras, de modo surpreendente, Portugal
e Espanha, ignorando solenemente os demais reinos da Europa, dividiram em
partes iguais os oceanos e os mundos aí contidos.
[5]
A inesperada partilha, que de certo modo autorizava navegadores lusos e
espanhóis, durante suas perambulações pelo Atlântico Sul, pelo Índico e pelo
Pacífico, a tomar posse de tudo que encontrassem pela frente em nome de seu
rei, não passou desapercebida aos demais reinos da Europa. Ao contrário, à
medida que o interesse pelos novos mundos descobertos pelos países
peninsulares aumentou entre ingleses, franceses e, um pouco mais tarde,
holandeses, o princípio de um mar fechado, um mar exclusivo de portugueses
e espanhóis, passou a ser sistematicamente combatido.
Ilustrativo do descontentamento que a partilha gerou nos demais reinos
europeus é o irônico comentário do rei da França, Francisco i, que dizia
desconhecer a cláusula no testamento de Adão determinando a singular
divisão promovida pelos reis ibéricos com a benção de Alexandre vi, um papa
espanhol. Franceses e ingleses, a propósito, não se limitaram a lamentar e a
ironizar o tratado ibérico, ao contrário, lançaram-se à conquista de posições
nos mares e, sobretudo, no continente americano. Os holandeses entraram na
disputa um pouco mais tarde, mas não com menos voracidade. Foi dos Países
Baixos que saiu a muito citada em seu tempo Dissertação sobre a liberdade dos
mares, de Hugo Grotius, publicada em 1608. A história que envolve a escrita do
ensaio de Grotius diz muito sobre seu conteúdo e sobre o clima que então se
vivia nas cidades portuárias da Europa.
[6]
Em 1603, uma frota holandesa pertencente à Companhia das Índias
Orientais aprisionou, em Malaca, a nau portuguesa Santa Catarina, que
transportava uma carga riquíssima. Os acionistas da companhia, homens
devotos, pertencentes à seita menonita, tiveram dúvida sobre a legalidade da
[7]
captura, uma vez que as relações de Portugal com a Holanda não eram de
hostilidade. Os piedosos holandeses pediram, então, para aliviar a consciência,
um parecer sobre a questão a um jovem advogado de Delft, Hugo Grotius,
que redigiu, como resposta, um longo escrito intitulado O direito de saquear, cuja
parte xii, Mare Liberum [mar aberto], publicada separadamente em 1608,
alcançou um imenso sucesso e despertou inúmeras polêmicas. O princípio
geral do mar aberto é simples e claro: deve haver liberdade de navegação em
alto-mar para navios de todas as nações. Eis o que diz o jovem Grotius na
abertura do primeiro dos treze capítulos que compõem seu escrito:
Propusemo-nos demonstrar, breve e claramente, que é um direito dos
holandeses, isto é, dos súditos das Províncias Unidas bélgico-germânicas,
navegar, como de fato fazem, para as Índias e manter comércio com os
povos do lugar. Tomaremos por base esta regra elementar do direito dos
povos, denominada primária, cujo significado é claro e imutável, a saber: é
permitido a qualquer nação se aproximar de qualquer outra nação e
negociar com ela.
[8]
Grotius, na verdade, deu forma legal a uma prática que se consolidava
nos mares: o questionamento sistemático da partilha dos oceanos e das terras
descobertas feita por portugueses e espanhóis. No entanto, a transição para
uma nova partilha — partilha que passou a incluir ingleses, franceses e
holandeses — durou pelo menos dois séculos e contou com a decisiva
contribuição daqueles que supostamente defendiam a total liberdade dos
mares, os piratas. Atraídos pelas notícias da descoberta de grande quantidade
de ouro e prata na América e, sobretudo, pela enorme debilidade da Marinha
espanhola e da portuguesa — sempre incapazes de proteger os portos e as
frotas que escoavam as riquezas americanas —, é notável sua proliferação pelo
Atlântico e pelos Mares do Sul, da região do Caribe aos portos do Chile e do
Equador, entre a metade do século xvi e o primeiro quartel do século xviii.
[9]
Ao longo do período em que atuaram, esses homens — geralmente
marginalizados da sociedade europeia, recrutados pelos governos ou por
particulares com a promessa de uma vida de riquezas e aventuras —
receberam designações diversas: piratas (do grego peirates), entendido pura e
simplesmente como ladrões do mar; mas também corsários, ladrões do mar que
contavam com uma carta de corso, isto é, com uma autorização de seu rei para
saquear navios e colônias pertencentes a reinos inimigos, respeitando as leis da
guerra, ou capturar embarcações piratas (aquelas que não navegavam sob a
bandeira de nenhuma nação). Por vezes, foram também chamados flibusteiros,
piratas que atuavam contra as possessões e os navios espanhóis nas regiões do
Caribe e dos Mares do Sul; aos flibusteiros sucederam os bucaneiros, designação
que predominou a partir do final do século xvii e que se refere sobretudo aos
piratas que exerciam seu ofício no mar das Antilhas.
Os nomes diferem, mas as atividades exercidas por uns e outros muito
se assemelham. A distinção mais saliente talvez seja entre corsários e piratas:
portadores ou não de carta de corso e de vínculo com a Marinha real de seus
países. Mas mesmo aqui as coisas não são tão claras. Há corsários financiados
por particulares, há aqueles financiados pelo rei e há, ainda, aqueles bancados
em parte pelo rei e em parte por companhias de comércio particulares.
Também bastante comuns são os casos de piratas que, depois de muitas
aventuras como autônomos, são incorporados à Marinha de algum reino e
passam a atuar como corsários, respeitando os tratados internacionais. Tal
conversão — que se deu num crescendo e em paralelo com o estabelecimento
da nova partilha dos mares e das terras descobertas, consolidada no primeiro
quartel do século xviii — foi decisiva para o desaparecimento dessa figura
que, durante séculos, esteve associada, erroneamente na maioria dos casos, à
aventura descompromissada e à defesa da liberdade dos mares.
[10]
Os ladrões do mar que o leitor conhecerá neste livro são todos
corsários. Os quatro, Thomas Cavendish (1591), James Lancaster (1595), Jean-
François du Clerc (1710) e René Duguay-Trouin (1711), ainda que tenham sido
patrocinados por companhias de comércio particulares, atacaram as cidades da
costa brasileira (Santos, Recife e Rio de Janeiro) com autorização de seus
monarcas e tiveram, supostamente, o propósito político comum de causar
interrupções e perdas no fluxo de riquezas da colônia para a metrópole —
além, é claro, de enriquecer a si próprios e aos acionistas das companhias que
tinham pagado as aventuras. Há, contudo, muitas dessemelhanças entre as
histórias desses corsários, dessemelhanças que convidamos o leitor a descobrir
acompanhando suas traumáticas passagens pelo litoral brasileiro.
i. Thomas Cavendish (1591)