Table Of ContentPara minha mãe,
Nedda Previtera Cashore
Que tem uma almôndega sublime,
E meu pai
J. Michael Cashore,
Que é abençoado com a perda (e o encontro) de seus óculos.
Seus olhos, Katsa nunca tinha visto tais olhos. Um era prateado, e o outro, dourado. Eles
brilharam em seu rosto escurecido pelo sol, sem igual, e estranho. Ela ficou surpresa que eles
não tivessem brilhado na escuridão do seu primeiro encontro. Eles não pareciam humanos...
Então ele levantou sua sobrancelha, e sua boca se moveu em uma alusão de um sorriso
malicioso. Ele acenou para ela, só um pouco, e isso a libertou de sua magia.
‘Afetado’, ela pensou. ‘Afetado e arrogante, este ai, e isso era tudo o havia nele’. Qualquer
que fosse o jogo que ele estivesse jogando, se esperava que ela se juntasse a ele, ele ficaria
desapontado.
Em um mundo onde as pessoas nasciam com uns dons extremos – chamados a Graça –
temidos e explorados, Katsa carrega uma habilidade que ela mesma despreza: a Graça de matar.
Ela vive sob o comando de seu tio Randa, rei dos Middluns, e é esperado que ela execute
seu trabalho sujo, punindo e torturando quem quer que desagrade a ele.
Quando ela conhece o príncipe Po, que é agraciado com a habilidade de combate, Katsa
não tinha idéia de como sua vida estava prestes a mudar.
Ela nunca esperou se tornar amiga de Po.
Ela nunca esperou aprender uma nova verdade sobre sua própria Graça – ou sobre um
terrível segredo que está escondido tão longe... Um segredo que poderia destruir todos os sete
reinos com apenas uma palavra.
(A Lady Assassina)
Í
Nestas masmorras a escuridão era completa, mas Katsa tinha um mapa em sua mente.
Um que tinha provado até agora estar correto, como os mapas de Olls tendem a ser. Katsa correu
sua mão ao longo das paredes frias e portas e passagens enquanto ela ia. Virando quando era a
hora de virar, parando finalmente antes de uma abertura que conteria uma escada ascendente.
Ela se agachou e sentiu a frente com suas mãos. Havia um degrau de pedra, úmido e
escorregadio com musgo, e outro abaixo dela. Então esta era a escadaria de Oll. Ela só esperava
que quando ele e Giddon a seguissem com suas tochas, eles vissem o musgo, fossem com
cuidado, e não acordando os mortos pelo precipitado ruído dos passos.
Katsa esgueirou-se pela escada. Uma virada a esquerda e duas viradas a direita. Ela
começou a ouvir vozes enquanto entrava em um corredor onde a escuridão tremeluzia com o
laranja da luz de uma tocha fixada em uma parede. Do outro lado da tocha estava outro corredor
onde, de acordo com Oll, em qualquer lugar dois a dez guardas deveriam estar vigiando, diante
de uma determinada cela no fim do corredor.
Estes guardas eram a missão de Katsa. Foi para eles que ela tinha sido enviada primeiro.
Katsa arrastou-se em direção a luz e ao som das risadas. Ela podia parar e escutar, para
ter a melhor noção de quantos ela enfrentaria, mas não havia tempo. Ela puxou seu capuz para
baixo e oscilou em um canto do corredor. Ela quase tropeçou em suas primeiras quatro vítimas,
que estavam sentadas no chão em frente um do outro, suas costas contra a parede, pernas
esticadas, o ar espesso com qualquer que fosse a bebida forte que eles tinham trazido aqui
embaixo para passar o tempo enquanto eles vigiavam. Katsa chutou e golpeou as têmporas e
pescoços, e os quatro homens caíram juntos no chão antes que o espanto tivesse se registrado
em seus olhos.
Havia apenas mais um guarda, sentando antes das barras da cela no fim do corredor. Ele
ficou de pé e deslizou a espada de sua bainha. Katsa andou em direção a ele, certa que a tocha
às suas costas escondia sua face, e particularmente seus olhos da vista dele. Ela mediu seu
tamanho, o modo que ele se movia, a firmeza do braço que segurava e espada em direção a ela.
“Pare ai. Está bem claro quem você é.” Sua voz era firme. Este era corajoso. Ele cortou o
ar com sua espada, em aviso. “Você não me assusta.”
Ele disparou em direção a ela. Ela se abaixou debaixo da lâmina dele e girou o pé para
fora, agarrando sua têmpora. Ele caiu no chão.
Ela passou por cima dele e correu para as barras, olhando para a escuridão na cela. Uma
forma encolhida contra a parede detrás, uma pessoa muito cansada ou sentindo muito frio para
se importar com a luta acontecendo. Braços envolvidos ao redor das pernas, e cabeça enfiada
entre os joelhos. Ele estava tremendo – ela podia ouvir sua respiração. Ela se deslocou e a luz
pairou sobre sua forma encurvada. Seu cabelo era branco e cortado rente a cabeça. Ela viu o
brilho do ouro em sua orelha. O mapa de Oll os tinha servido bem, este homem que era um
Lienid. Ele era a quem eles estavam procurando.
Ela puxou o trinco da porta. Trancada. Bem, isso não era uma surpresa, e não era seu
problema. Ela apitou uma vez, baixo, como uma coruja. Ela estendeu o guarda corajoso em suas
costas e jogou alguns de seus comprimidos em sua boca. Ela correu até o corredor, virou os
quatro infelizes em suas costas, ao lado um do outro, e deixou cair uma pílula em cada boca.
Quando ela estava começando a se perguntar se Oll e Giddon tinha se perdido nas masmorras,
eles apareceram no canto do corredor e deslizaram até ela.
“Quinze minutos, não mais.” Ela disse.
“Quinze minutos, minha senhora.” A voz de Oll era um retumbar. “Vá em segurança.”
As luzes de suas tochas se espalhavam nas paredes enquanto eles se aproximavam dela.
O homem Lienid gemeu e puxou seus braços para mais perto. Katsa pegou um vislumbre de suas
roupas rasgadas e manchadas. Ela ouviu o cadeado tinir contra si mesmo. Ela teria gostado de
esperar para vê-los abrirem a porta, mas ela era necessária em outro lugar. Ela enfiou um pacote
de comprimidos em sua manga e correu.
Os guardas da cela informariam ao guarda da masmorra, e o guarda da masmorra
informaria ao guarda da prisão. O guarda da prisão informaria ao guarda do castelo. O guarda
noturno, ao guarda do rei, o guarda da muralha, e a guarda do jardim também informariam para a
guarda do castelo. Tão logo um guarda percebesse a ausência do outro, o alarme seria acionado,
e se Katsa e seus homens não estivessem longe o suficiente, tudo estaria perdido. Eles seriam
perseguidos, haveria um derramamento de sangue, eles veriam seus olhos, e ela seria
reconhecida. Então ela tinha que pegar todos eles. Oll tinha adivinhado que seriam vinte. Príncipe
Raffin tinha feito para ela trinta comprimidos só no caso.
A maior parte dos guardas não deu a ela nenhum problema. Se ela pudesse se esgueirar
sobre eles, ou se eles estivessem juntos em pequenos grupos, eles nunca saberiam o que os
acertou. A guarda do castelo era um pouco mais complicada, por que cinco guardas defendiam
seu escritório. Ela girou através deles, chutando e dando joelhadas e batendo, e a guarda do
castelo pulou de sua guarita, explodindo através da porta e correndo para a luta.
“Eu conheço um Graceling quando eu vejo um.” Ele golpeou com sua espada, e ela rolou
para fora do caminho. “Deixe-me ver a cor de seus olhos garoto, Eu irei cortar eles fora. Não
pense que eu não vou.”
Deu a ela algum prazer em acertar ele em sua cabeça com o punho de sua faca. Ela
agarrou seu cabelo, puxando ele para trás, e largou uma pílula em sua língua. Todos eles diziam
isso, quando eles acordavam em suas dores de cabeça e sua vergonha, que o culpado tinha sido
um garoto Graceling, agraciado com a luta, agindo sozinho. Eles assumiriam que ela era um
garoto, porque em suas calças simples e capuz ela parecia com um, e por que quando as
pessoas eram atacadas nunca ocorria a ninguém que poderia ter sido uma garota. E nenhum
deles tinha vislumbrado Oll ou Giddon. Ela tinha visto isso.
Ninguém pensaria nela. Quem quer que seja a agraciada Lady Katsa pudesse ser, ela não
era uma criminosa que se escondia por ai em pátios escuros a meia noite, disfarçada. E, além
disso, ela supostamente estaria na rota leste. Seu tio Randa, rei dos Middluns, tinha a visto sair
àquela manhã, a cidade inteira assistindo, com o capitão Oll e Giddon, lorde de Randa,
escoltando-a. Apenas um dia de uma difícil cavalgada na direção errada tinha trazido a corte do
rei Murgon.
Katsa correu através do pátio, passando os canteiros de flores, fontes e estátuas de
mármore de Murgon. Era um pátio bem agradável, realmente, para um rei tão desagradável; ele
rescendia a grama e ao solo rico, e a doçura do orvalho das flores. Ela correu através do pomar
de maças de Murgon, uma trilha alongando de guardas drogados atrás dela. Drogados, não
mortos, uma importante distinção. Oll e Giddon, e a maioria restante do conselho tinha desejado
que ela os matasse. Mas na reunião para planejar esta missão, ela tinha argumentado que matar
não ganharia mais tempo.
“Se eles acordarem?” Giddon tinha dito.
Príncipe Raffin tinha ficado ofendido. “Você duvida de minhas medicações. Eles não irão
acordar.”
“Seria mais rápido matar eles,” Giddon tinha dito, seus olhos castanhos insistentes.
Cabeças no salão escuro tinham concordado.
“Eu posso fazer isso no tempo previsto,” Katsa tinha dito, e quando Giddon começou a
protestar, ela levantou uma mão.
“Chega. Eu não vou matar eles. Se você os quer mortos, você pode mandar outra pessoa.”
Oll tinha sorrido e batido nas costas do jovem senhor. “Apenas pense, Lorde Giddon, será
mais divertido para nós. O roubo perfeito, passar por toda a guarda de Murgon, e ninguém ferido?
É um bom jogo.”
O salão tinha irrompido em risadas, mas Katsa não tinha nem mesmo um sorriso torto. Ela
não mataria, não se ela não tivesse que fazê-lo. Um assassinato não podia ser desfeito, e ela
tinha assassinado o suficiente. A maioria por seu tio. O rei Randa achava que ela era útil. Quando
bandidos na fronteira estavam dando problemas, por que enviar um exército se você podia enviar
um único representante? Era muito mais econômico. Mas ela tinha matado para o conselho
também, quando não podia ser evitado. Dessa vez podia ser evitado.
Na extremidade do pomar ela esbarrou num guarda que era velho, tão velho, talvez,
quanto o Lienid. Ele estava em um bosque de árvores sombreantes, inclinado sobre sua espada,
suas costas para trás e dobradas. Ela passou de fininho por ele e parou. Um tremor sacudiu as
mãos que descansavam no cabo de sua espada.
Ela não considerava bem um rei que não aposentava seus guardas ao conforto quando
eles tinham ficado muito velhos para segurar uma espada firmemente. Mas se ela o deixasse, ele
encontraria os outros que ela tinha abatido e acionaria o alarme. Ela o golpeou uma vez, forte, na
nuca, e ele caiu e soltou uma arfada de ar. Ela o pegou e o deslizou ao chão, tão gentilmente
quanto ela podia, e então largou um comprimido em sua boca. Ela levou um instante para correr
seus dedos ao longo do calombo se formando no crânio dele. Ela esperava que sua cabeça fosse
forte.
Ela tinha matado uma vez por acidente, uma lembrança presa em seu subconsciente. Era
como sua graça tinha anunciado sua natureza, a uma década atrás. Ela tinha sido uma criança,
mal tinha oito anos. Um homem que era algum tipo de primo distante tinha visitado a corte. Ela
não tinha gostado dele – seu perfume forte, o modo que ele olhava atravessado às garotas que o
serviam, o modo que seu olhar lascivo as seguia em torno da sala, o modo em que as tocava
quando ele pensava que ninguém estava olhando. Quando ele começou a prestar atenção em
Katsa, ela tinha aumentado a cautela.
“Que belezinha,“ ele tinha dito. “Os olhos dos graceling podem ser tão sem atrativos. Mas
você, garota de sorte, parece bem. Qual é a sua graça, minha doçura? Contadora de histórias?
Leitora de mentes? Eu sei. Você é uma dançarina.”
Katsa não sabia qual era sua graça. Algumas graças demoravam mais do que outras para
vir à tona. Mas mesmo se ela soubesse, ela não teria se importado em discutir isso com seu
primo. Ela tinha olhado com cara feia para o homem e se virado. Mas então a mão dele tinha
deslizado em direção a sua perna, e a mão dela havia voado e batido no rosto dele. Tão forte e
tão rápido que ela empurrou os ossos de seu nariz para o seu cérebro.
As senhoras da corte tinham gritado; uma tinha desmaiado. Quando eles o levantaram da
piscina de sangue no chão, e acontecer dele estar morto, a corte cresceu em silêncio, recuando.
Olhos assustados – e não apenas as senhoras agora, mas aqueles dos soldados, dos lordes –
todos dirigidos a ela. Era bom comer a comida do chefe do rei, que foi agraciado com a culinária,
ou enviar seus cavalos ao agraciado veterinário. Mas uma garota agraciada com o assassinato.
Isto não era seguro.
Outro rei teria banido ela, ou a assassinado, mesmo se ela fosse a filha de sua irmã. Mas
Randa era inteligente. Ele podia ver naquele tempo que sua sobrinha poderia servir a propósitos
práticos. Ele a enviou para seus aposentos e a manteve lá por semanas como castigo, mas isso
foi tudo. Quando ela surgiu, todos eles saiam de seu caminho. Eles nunca tinham gostado dela
antes, por ninguém que fosse agraciado, mas pelo menos eles toleravam sua presença. Agora
não havia nenhum fingimento de amizade.
“Cuidado com o olho azul e olho verde,” eles sussurrariam para os convidados. “Ela matou
seu primo, com um golpe. Por que ele cumprimentou seus olhos.” Mesmo Randa saia de seu
caminho. Um cão assassino poderia ser útil para ele, mas ele não queria que ele dormisse aos
seus pés.
Príncipe Raffin era o único que procurava sua companhia.
“Você não vai fazer isso de novo, vai? Eu não acho que meu pai vai deixar você matar
qualquer um que você quiser.”
“Eu nunca quis matar ele.” Ela disse.
“O que aconteceu?”
Katsa relembrou. “Eu senti como se estivesse em perigo. Então eu bati nele.”
Príncipe Raffin balançou a cabeça. “Você precisa controlar uma graça,” ele disse.
“Especialmente uma graça assassina. Você deve, ou meu pai vai nos impedir de nos ver um ao
outro.”
Essa era uma idéia assustadora. “Eu não sei como controlá-la.”
Raffin considerou isto. “Você pode perguntar a Oll. Espiões do rei sabem como ferir sem
matar. É como eles conseguem informações.
Raffin tinha onze, três anos mais velho que Katsa, e pelo seu nível jovem, muito sábio. Ela
tomou seu conselho e foi a Oll, o grisalho capitão do rei Randa e seu principal espião. Oll não era
tolo; ele sabia do medo da garota silenciosa com um olho azul e um verde. Mas ele também tinha
alguma noção. Ele imaginou, como não tinha ocorrido a ninguém imaginar, se Katsa não tinha
estado tão chocada quanto todos os outros pela morte de seu primo. E quanto mais ele pensava
sobre isso, mais curioso ele se tornava sobre o potencial dela.
Ele começou seu treinamento impondo regras. Ela não podia praticar nele, e ela não
praticaria em nenhum dos homens do rei. Ela praticaria em manequins que ela fez de sacos,
costurados juntos e preenchidos com grãos. Ela praticaria em prisioneiros que Oll traria para ela,
homens cujas mortes já estavam decretadas.
Ela praticou todos os dias. Ela aprendeu sobre sua própria velocidade e sua força
explosiva. Ela aprendeu o ângulo, posição e intensidade de um golpe assassino versus um golpe
mutilante. Ela aprendeu como desarmar um homem e como quebrar sua perna, e como girar o
braço dele tão fortemente que ele iria parar de lutar e implorar para ser solto. Ela aprendeu como
lutar com uma espada e com facas e adagas. Ela era tão rápida e focada, tão criativa, ela podia
descobrir um modo de vencer um homem desprevenido com os dois braços amarrados. Tal era
sua graça.
Com o tempo seu controle aprimorou, e ela começou a praticar com os soldados de Randa
– oito ou dez de uma vez, e em armaduras completa. Seu treino era um espetáculo: homens
crescidos rosnando e fazendo barulho em torno de uma desajeitada, e desarmada criança,
rodopiando e girando entre eles, os derrubando com uma joelhada ou uma mão que eles
pareciam não ver vindo, até que eles já estivessem no chão. Às vezes, alguns membros da corte
vinham para assistir seus treinos. Mas se ela pegasse seus olhares, os olhos deles desciam e
eles se afastavam.
Rei Randa não se importava em sacrificar o tempo de Oll. Ele pensava no essencial. Katsa
não seria útil se ela permanecesse descontrolada.
E agora, na corte do rei Murgon, ninguém podia criticar seu controle. Ela se movia através
da grama ao lado dos caminhos de cascalho, rapidamente, silenciosamente. Por agora Oll e
Giddon deveriam ter quase alcançado o muro do jardim, onde dois dos servos de Murgon, amigos
do conselho, guardavam seus cavalos. Ela estava quase lá, ela via uma linha escura a frente,
negra contra o céu negro.
Seus pensamentos divagaram, mas ela não estava sonhando acordada. Seus sentidos
estavam alerta. Ela captava a queda de cada folha no jardim, o farfalhar de cada galho. E então
ela se espantou quando um homem saiu da escuridão e agarrou-a pelas costas. Ele envolveu seu
braço ao redor de seu peito e segurou uma faca na sua garganta. Ele começou a falar, mas nem
por um instante ela amorteceu o braço dele, arrancou a faca de sua mão e jogou a espada no
chão. Ela o arremessou a frente, sobre seus ombros. Ele aterrissou em pé.
Ele se virou para enfrentar ela. Seus olhares um no outro, cautelosamente, cada um não
mais do que uma sombra do outro. Ele falou. “Eu ouvi falar de uma lady com esta graça em
particular.”
Sua mente voou. Ele era agraciado, um lutador. Isso estava claro. E a menos que ele não
tivesse sentido na mão que tinha tocado seu peito, ele sabia que ela era uma mulher.
A voz dele era grave e profunda. Havia uma cadência em suas palavras, não era um
sotaque que ela conhecesse. Ela devia aprender quem ele era, então ela poderia saber o que
fazer com ele.
“Eu não posso imaginar o que essa lady estaria fazendo tão longe de casa, correndo
através do pátio do rei Murgon à meia noite.” Ele disse.
Ele se mexeu ligeiramente, colocando-se entre ela e a parede. Ele era mais alto do que ela
era, e suave em seus movimentos, como um gato. Enganadoramente calmo, pronto para saltar.
Uma tocha no caminho captou o vislumbre de pequenos aros de ouro nas orelhas dele. E seu
rosto era sem barba, como um Lienid.
Ela se deslocou e moveu, seu corpo pronto, como o dele. Ela não tinha muito tempo para
decidir. Ele sabia quem ela era. Mas se ele era um Lienid, ela não queria matá-lo.
“Você não tem nada a dizer, senhora? Certamente você não acha que eu a deixarei passar
sem uma explicação?” Havia algo de divertido em sua voz. Ela olhou para ele, calmamente. Ele
esticou seus braços em um movimento fluído, e os olhos dela desfiaram as faixas de ouro que
brilharam nos dedos dele. Isso foi o suficiente. Os aros em suas orelhas, os anéis, a cadência em
suas palavras – eram o suficiente.
“Você é um Lienid” ela disse.
“Você tem uma boa visão,” ele disse.
“Não boa o suficiente para ver as cores de seus olhos.”
Ele riu. “Eu acho que eu sei as cores dos seus.”
O bom senso disse a ela para matá-lo. “Você é um que fala de estar longe de casa,” ela
disse. “O que é que um Lienid faz na corte do rei Murgon?”
“Eu lhe direi minhas razões, se você me disser as suas.”
“Não vou te dizer nada e você deve me deixar passar.”
“Devo?”
“Se não eu irei forçar você.”
“Você acha que pode?”
Ela fintou a sua direita, e ele oscilou, facilmente. Ela fez novamente, mais rápido. De novo,
ele escapou dela facilmente. Ele era muito bom. Mas ela era Katsa.
“Eu sei que eu posso,” ela disse.
“Ah,” A voz dele era divertida. “Mas isso pode levar horas.”
Por que ele estava brincando com ela? Por que ele não acionava o alarme? Talvez ele
fosse um criminoso, um criminoso agraciado. E se isso, isso o fazia um aliado ou um inimigo? Um
Lienid não aprovaria o resgate dela a um prisioneiro Lienid? Sim – a menos que ele fosse um
traidor. Ou a menos que este Lienid nem mesmo soubesse o conteúdo das masmorras de
Murgon – Murgon que tinha mantido o segredo tão bem.
O conselho diria para ela o matar. O conselho diria a ela que ela os poria em risco se ela
deixasse um homem vivo que soubesse sua identidade. Mas ele não era como qualquer outro
bandido que ela tenha encontrado. Ele não parecia brutal ou estúpido ou ameaçador.
Ela não podia matar um Lienid enquanto resgatava outro.
Ela era uma tola e provavelmente se arrependeria, mas ela não faria isso.
“Eu confio em você,” ele disse, de repente. Ele saiu do seu caminho e acenou para ela ir
em frente. Ela achou ele muito estranho, e impulsivo, mas ela viu que ele tinha relaxado sua
guarda, e ela não era uma que perdia uma oportunidade. Em um instante ela impulsionou seu
chute e acertou ele na testa. Os olhos dele se alargaram em surpresa, e ele caiu no chão. Um fio
de sangue escorria por sua testa, passando a sua orelha. O pescoço de sua camisa estava
aberta, e a luz da tocha oscilava ao longo da linha de sua clavícula.
Ela o afastou, seus membros em um sono pesado. “Mas eu não sei o que pensar de você,
e eu já arrisquei o suficiente, deixando você vivo.“ Ela escavou seus comprimidos de sua manga,
largando um na boca dele. Ela virou seu rosto para a luz da tocha. Ele era mais jovem do que ela
pensava, não mais velho do que ela, dezenove ou vinte no máximo.
Que tipo estranho. Talvez Raffin soubesse quem ele era.
Ela se mexeu. Eles estariam esperando.
Ela correu.
Eles cavalgaram com dificuldade.
A estrada era difícil. Eles amarraram o velho no seu cavalo, pois ele estava tão fraco que
não se firmaria. Eles pararam uma vez apenas, para envolvê-lo em mais cobertores.
Katsa estava impaciente para continuar. “Ele não sabe que estamos em pleno verão?”
“Ele está congelando, minha senhora.” Oll disse. “Ele está tremendo, ele está doente. Não
vai adiantar se nosso resgate matar ele.”
Eles falaram em parar; fazer uma fogueira, mas não havia tempo. Eles tinham que alcançar
a cidade de Randa antes do dia terminar ou eles seriam descobertos.
Talvez eu devesse tê-lo matado, ela pensou enquanto eles disparavam na floresta escura.
Talvez eu devesse tê-lo matado. Ele sabia quem eu era.
Mas ele não parecia ameaçador ou suspeito. Ele tinha sido mais curioso do que outra
coisa. Ele tinha confiado nela.
Então de novo, ele não sabia da trilha de guardas drogados que ela tinha deixado em seu
rastro; e ele não confiaria nela mais uma vez, assim que ele acordasse daquela marca de um
golpe em sua cabeça.
Se ele disse ao rei Murgon de seu encontro, e se Murgon dissesse ao rei Randa, as coisas
poderiam ficar muito complicadas para Lady Katsa. Randa nada sabia do prisioneiro Lienid, muito
menos de Katsa fazendo bico como salva-vidas.
Katsa sacudiu-se em frustração. Esses seus pensamentos não ajudariam, e isto estava
feito agora. Eles precisavam levar o avô em segurança e calor, para Raffin. Ela se contraiu em
sua sela e instigou seu cavalo para o norte.