Table Of ContentOrelha do livro
Outro grande rom ance de Sven Hassel é publicado no Brasil. Ao escolher a guerra com o
tem a de seus livros, o autor fixou-se em algo que conhece profundam ente. Em 1937, ele
se alistou no Exército Alem ão de Hitler e dois anos depois foi transferido para um a divisão
Panzer a tem po de participar da invasão da Polônia. Em 1941, foi enviado, num regim ento
disciplinar (que descreve tão bem neste livro), para lutar na Rússia sob as piores condições
de vida e de com bate. Hassel participou de quase todas as frentes de batalha dos exércitos
do III Reich, m enos da cam panha da África do Norte.
Por isso tudo, é tam bém da sua experiência que ele fala quando, no dantesco cenário das
frentes de batalha, proj eta os dram as criados pela existência, na retaguarda, da GESTAPO,
a polícia política com m il olhos e m il ouvidos a qual dificilm ente escapava um gesto, um
a palavra,um a atitude, que pudessem ser considerados com o derrotism o e traição ao
Führer. Era um dram a a sobrepor-se a outro dram a, e Sven Hassel descreve as alegrias, as
tristezas, os dram as, com édias e pecados da guerra e do nazism o com todas as
extraordinárias qualidades que fizeram dele (dinam arquês de nascim ento) um dos m ais
apreciados rom ancistas do gênero.
Todo o absurdo de um m undo digno de Kafka, em que o arbítrio da GESTAPO faz lei, em
que as fronteiras do verdadeiro e do falso, do j usto e do inj usto, do heroico que do covarde
passam não pela realidade do ser hum ano, m as pela conveniência da causa nazista, flui
destas páginas com a lim pidez clara só conseguida pelos grandes m estres da literatura de
guerra. GESTAPO, com o MONTE CASSINO, outro livro de Sven Hassel tam bém lançado
pela Record, nada fica a dever a rom ances antibélicos clássicos com o NADA DE NOVO NO
FRONT, DEUSES VENCIDOS e ARDIL-22
.
GESTAPO
OBRAS DO AUTOR
O BATALHÃO MALDITO
GESTAPO
MORTE NAS ESTEPES
CORTE MARCIAL
Sven Hassel
GESTAPO
Tradução de
ANA LUCIA DE VASCONCELOS ABRANTES
E NEGRITO AGONIGI
2ª EDIÇÃO
EDITORA RECORD
Titulo original inglês
GESTAPO
Copy right © 1972 by Sven Hassel
Direitos de publicação exclusiva em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela
DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A
Rua Argentina 171 –– 20921 Rio de Janeiro, RJ
que se reserva a propriedade literária desta tradução
Im presso na, SOCIEDADE GRÁFICA VIDA DOMESTICA LTDA.
Rua Dias da Silva, 14 – Benfica – CEP 20911 Rio de Janeiro, RJ
Prólogo
De algum lugar atrás de nós chegaram os sons de homens gritando e de confusão geral.
Miúdo e o Legionário tinham ficado para cuidar da retaguarda, enquanto o resto de nas
tocava para frente.
Eles estavam ci espreita entre a densa vegetação baixa do arvoredo.
Quatro soldados russos apareceram, movendo–se apressadamente entre as árvores.
Usavam a insígnia verde do NKVD(*). Ainda eram muito jovens e alertas; ainda ávidos de
perseguir e matar.
Surgiram apressados na curva do caminho. O Legionário silenciosamente virou o polegar
para baixo e Miúdo sorriu antecipando o prazer. Suas submetralhadoras ecoaram quase
simultaneamente no silêncio.
De um salto, Miúdo estava de pé, disparando com a arma firmemente segura a altura dos
quadris.
A totalidade de sua volumosa figura estremecia com o coice da arma.
O Legionário, calmo me meticuloso como sempre em momentos de ação, cantarolava
docemente uma de suas intermináveis canções fúnebres.
Os russos tombaram de cabeça, na terra úmida. Somente dois deles ainda mostravam sinais
de vida quando o fogo cessou e Miúdo avançou para dar os últimos retoques em seu
serviço. Era uma precaução necessária, nesses dias de guerra; nada de respeitar um
homem que se encontra caído; mesmo os mortalmente feridos são capazes de pegar uma
arma e atirar.
– Sinto muito, companheiro – Miúdo olhou para baixo displicentemente na direção dos
soldados mortos. – Nós simplesmente não podemos facilitar, apesar de gostar tanto de
vocês!
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(*) Narodny i Kom issariat Vnutrennikh Del (Com issariado para Assuntos Internos), o
serviço de inform ações soviético. Atual KGB.
– Certíssimo – resmungou o Legionário. –– Eles enfiariam bala no meio de nossas costas com
a mesma facilidade com que olham para nós.
O pelotão tinha sido tomado de surpresa no meio de uma bebedeira; celebrávamos o
aniversário de Porta da única forma que conhecíamos.
Não estávamos em bom estado para darmos às boas–vindas à patrulha russa que caíra tão
subitamente sobre nós. Só percebemos a coisa quando as janelas se escancararam na
nossa frente e nos defrontamos com as bocas negras de quatro poderosos fuzis. Nossa
reação instintiva foi mergulhar no chão e cobrir nossas cabeças. Legionário e Porta ainda
tiveram, a presença de espírito de arremessar uma série de granadas de mão através das
janelas estilhaçadas, mas como escapamos com nunca vou saber. Ainda estávamos tontos e
de joelhos moles com o choque.
Fomos nos reunir no fim da floresta. Faltavam oito homens.
– Vi dois deles tombarem – informou – Porta.
Nós nos perguntamos rapidamente o que teria acontecido aos outros.
Quando o Miúdo reapareceu, estava arrastando um relutante tenente russo. O Velho disse
firmemente que deveríamos levá-lo conosco como prisioneiro.
Pouco antes de chegarmos ao campo minado, ouvimos o tenente dar um grito. Ouvimos o
Miúdo rir e o Velho blasfemou violentamente. Segundos mais tarde, Miúdo surgiu por entre
as moitas –
sozinho.
– Aquele merda tentou escapulir – explicou alegremente. – Pediu para morrer, não foi?
Ficamos em silêncio. Saindo do bolso de Miúdo podíamos ver o pedaço de fio de aço que
tinha sido tão útil em tantas ocasiões; toda vez que uma morte rápida e silenciosa se fizera
necessária...
– Você estrangulou o pobre coitado? – perguntou o Velho incredulamente.
– Já te falei – resmungou Miúdo, encolhendo os ombros – ele tentou fugir...
– Em outras palavras, você o assassinou – disse Stege.
Capítulo I
A Inform ante
Nós todos que sobram os da 5ª Com panhia estávam os deitados de bruços em baixo das m
acieiras, observando desinteressadam ente enquanto as tropas de reserva subiam .
Estávam os esperando por essas tropas há quatro dias e a essa altura j á nem ligávam os m
ais se elas vinham ou não.
Chegaram em cam inhões, subindo lentam ente a estrada em coluna dupla. Seus uniform
es e suas arm as eram novos em folham , elegantes e brilhantes e quase incrivelm ente
virginais.
Nós os observávam os com olhos cansados. Nenhum com entário tinha sido feito, nem se
fazia necessário; os soldados que se aproxim avam falavam por si próprios. Era m ais que
obvio para
nós que não tínham os nada em com um . Éram os soldados, enquanto eles eram apenas
am adores.
Estava evidente na m aneira cuidadosa com que carregavam o equipam ento, em suas
botas rígidas e brilhantes, tão lindam ente engraxadas e tão absolutam ente inúteis!
Ninguém conseguiria m archar para m uito longe com botas tão novas.
Elas ainda tinham que ser im pregnadas com a urina, que era o m elhor tratam ento que
conhecíam os para am aciar e ao m esm o tem po conservar o couro. Com o exem plo ideal
de calçado de soldado, tem os as botas de Porta, tão m acias que dava para ver todos os m
ovim entos dos dedos dos pés dentro delas.
Se exalavam um fedor de urina quase insuportável, isto era um preço bem baixo pelo
conforto.
– Você fede tanto quanto m il m ictórios! – disseram certa vez um tanto rispidam ente para
o Porta, durante um a parada.
Foi o nosso coronel que às vezes irreverentem ente cham ado de Caolho, por causa da
venda preta que usava para cobrir um olho vazado.
Pareceu–m e significativo, entretanto, que apesar da rude observação quanto à urina, ele
nunca acabou com nosso hábito de m ij ar nas botas. Estava no Exército tem po suficiente
para saber que são os pés que fazem um soldado.
Estrague seus pés e você será m ais do que inútil.
Miúdo, ainda observando a chegada das forças de reserva, cutucou o Legionário na altura
das costelas.
– De onde você acha que eles desencavaram essa gente? Porra, até os gatos iam rir deles!
Os russos vão acabar com esse bando antes m esm o de eles saberem o que vieram fazer
aqui...–
Acenou im ponentem ente para o Legionário. – Se não fosse por gente com o eu e você,
com panheiro, j á tínham os perdido esta guerra ha séculos.
O Velho riu. Estava tentando abrigar–se da forte chuva debaixo de um a m oita um tanto
patética.
– Já era tem po de darem a você a Cruz de Cavaleiro... um herói com o você!
Miúdo virou–se e cuspiu.
– Cruz de Cavaleiro! Você sabe m uito bem onde eu quero que eles enfiem essa cruz, não
sabe?
No rabo! Pra m im ela não vale m erda nenhum a!
Ouvim os gritos e palavrões vindos dos oficiais a frente da coluna que se aproxim ava. Um
dos soldados rasos, um a pequena criatura frágil que parecia m ais velha que Deus, perdera
o capacete de aço, que rolara para a m argem da estrada com o barulho de m il latas desm
oronando. Tinha instintivam ente abandonado as fileiras e, cam baleando, tentava apanhá-
lo.
– Volte para a fila! – urrou um Oberfeldwebel, ultraj ado. – Que diabo de brincadeira você
pensa que é essa?
Hesitou, olhando do seu precioso capacete para o apoplético Oberfeldwebel. Correu de
volta para as fileiras, continuou m archando e o Oberfeldwebel aprovou severam ente e
perm aneceu onde estava, soprando seu apito, constantem ente berrando a plenos pulm
ões, preocupado em apressar esses am adores no cam inho de m orte certa.
Olhando a coluna que avançava, eu podia ver que o frágil e velho hom em j á estava próxim
o do ponto de exaustão; tanto física quanto m ental,
.
achei. A perda de seu capacete de aço tinha provavelm ente sido a últim as gota.
O tenente Ohlsen, com andante de nossa com panhia, estava ao lado, conversando com
seu colega, o tenente que conduzira a tropa de reserva até lá.
Nenhum dos dois notara o incidente, nenhum dos dois percebera que um de seus hom ens
estava a ponto de desm oronar. Mas, m esm o que tivessem visto, o que poderiam ter feito?
A essa altura da guerra, isso era um a ocorrência com um .
O velho de repente caiu de j oelhos e, de quatro, com eçou a arrastar-se para baixo da
colina. Os seus com panheiros olharam -no nervosam ente.
O Oberfeldwebel veio correndo e gritando:
– Você ai, levante-se! O que tá pensando que isso aqui é, um piquenique?
Mas o pobre coitado não se m exeu. Ficou deitado no chão, soluçando de dar dor no
coração. Não teria se m exido nem com a am eaça de corte m arcial; não podia. Não lhe
restavam nem forças, nem vontade. O Oberfeldwebel cam inhou em sua direção e parou, m
ordendo o lábio inferior.
– Muito bem , m uito bem , se é assim que você quer brincar, eu topo.
Tem que aprender um as coisinhas, pelo visto. Você acha que está exausto, não acha?
Então espere até ter um bando de russos gritando e correndo na sua direção. Você vai se m
exer rapidinho! – De repente, recuou um passo e berrou um a ordem . – Pegue aquela pá e
com ece a cavar! Im ediatam ente, se não quiser virar peneira.
Obedientem ente, o velho, trôpego, conseguiu pegar a pá, que caíra de sua m ochila. Com
eçou a cavar. Era côm ico e patético. No ritm o que estava cavando, teria levado m il anos
para fazer o próprio buraco. De acordo com as regras, um hom em não deveria gastar m ais
de onze m inutos e m eio a contar do m om ento em que pegava na pá. E coitado daquele
que levasse um segundo a m ais! Naturalm ente, depois de estar na linha de frente há
tanto tem po quanto nós, você aprendia
a fazê-lo até em m enos tem po. Tinha que conseguir, se quisesse sobreviver. E nós tínham
os tido treino bastante para colocar-nos no prim eiro tim e. Os buracos que cavávam os se
estendiam num a linha praticam ente ininterrupta da fronteira espanhola até o cum e de
Elbroux no Cáucaso.
E eles tinham sido cavados em todos os tipos existentes de terreno.
Areia, neve, argila, lam a, gelo – no que você im aginar, nós j á tínham os feito buracos.
Miúdo era particularm ente dotado para isso. Providenciava sua
.
trincheira em seis m inutos e quinze segundos cravados e garantia que ainda poderia ser m
ais rápido, se realm ente quisesse. E provavelm ente conseguiria m esm o – só que nunca
tentou, visto que ninguém j am ais estabeleceu outro recorde para ele tentar quebrar.
– Você não está construindo castelos de areia! – disse o Oberfeldwebel, estendendo o pé e
em purrando sua vítim a. Vam os lá, vovô, com essa velocidade vam os m orrer e ser
enterrados antes até de você cavar a prim eira cam ada!
Vovô, de repente, m orreu. Sim plesm ente deitou e m orreu, assim , sem pedir nem
licença. O
Oberfeldwebel pareceu genuinam ente surpreso. Levou alguns segundos até dar m eia-
volta e gritar para que os dois hom ens m ais próxim os levassem o corpo.
– E eles se dizem soldados! – m urm urou. – Que Deus aj ude a Alem anha se é isso aí que
se usa para protegê-la. Mas é só esperar, seus filhos da puta inocentes! Vou por vocês em
form a na porrada em m uito pouco tem po!
O Oberfeldwebel Huhn, o torturador de Bielefeldt, esfregou as m ãos em prazerosa
antecipação.
Não existiam m uitos hom ens que ele não pudesse am oldar na força no m om ento que
resolvesse.
E, talvez, afinal de contas, seu tratam ento para o velho tivesse surtido efeito; certam ente
nenhum dos outros ousou cair.
– Filho da puta insensível – disse Porta desinteressadam ente; aí encheu a boca com um a
linguiça de carneiro, tirada de um soldado russo m orto.
Nós estávam os todos com endo linguiça de carneiro. Elas eram velhas e salgadas, e duras
com o pedra, m as, apesar disso tudo, não tinham gosto ruim .
Olhei para m inha linguiça, j á m eio com ida, e então m e lem brei da ocasião em que elas
foram apanhadas; só cinco dias antes, em bora parecessem cinco m eses.
Foi durante o nosso cam inho de volta, através de um vasto trecho de terra com vegetação
densa, que tínham os esbarrado num a bateria de cam po russa. Com o sem pre, tinha sido
o Legionário o prim eiro a localizá-los. Nós os atacam os com m ais rapidez e silêncio que os
bravos índios de Fenim ore Cooper, m utilando-os silenciosam ente com nossas kandras*
Depois que term inam os, parecia que um proj étil pesado tinha explodido no m eio deles.
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* Facas siberianas com lâmina de corte duplo.
Caím os em cim a deles, surgindo do nada. Estavam deitados num a clareira, dorm indo,
tom ando banho de sol, relaxando, totalm ente despreparados para qualquer tipo de
ataque. O chefe tinha sido atraído para fora do barraco pelos ruídos da luta. Nós o ouvim os
cham ando por um tenente, seu aj udante de ordem , logo antes de aparecer.
– Malditos porcos bêbados! Se ensoparam de vodca outra vez!
Essas foram suas últim as palavras. Assim que ele apareceu na entrada do barraco, sua
cabeça foi decepada dos om bros por um bem aplicado golpe e dois esguichos de sangue j
orraram de seu corpo com o gêiseres. O tenente, que estava atrás dele, não parou para
indagar o que estava acontecendo. Virou-se e m ergulhou nas m oitas, m as Heide caiu em
cim a dele quase im ediatam ente com sua kandra. O tenente caiu com o um a pedra.
Form ávam os um espetáculo horrível quando o m assacre acabou. E a cena da carnificina
era com o um pesadelo sangrento. Vários de nós vom itam os quando olham os. O sangue
entornado e os intestinos revirados exalavam um cheiro nauseante e um a grande
quantidade de m oscas j á pousava em todos os suculentos petiscos. Eu realm ente não
acredito que algum de nós gostasse da kandra – era m uito prim itiva, m uito noj enta – m
as era um a arm a excelente em determ inadas circunstâncias. O Legionário e Barcelona
tinham -nos ensinado com o usá-la.
Sentam os nas caixas de m unições, de costas para os cadáveres. Não éram os tão
delicados ao ponto de nos privarm os do prazer de com er linguiças e beber vodca russa.
Só o Hugo Stege parecia não ter apetite. Todos nós costum ávam os debochar do Stege
porque ele tivera um a boa educação e tinha fam a de inteligente. Tipo, assim , intelectual.
E tam bém porque ninguém j am ais o ouvira dizer palavrões. Isso por si só era bastante
anorm al, m as um com portam ento ainda m ais incrível veio à luz quando Miúdo descobriu
que Stege, sem pre e assiduam ente, lavava as m ãos antes de com er!
O Velho estava olhando para o estoque de linguiça e o engradado de vodca.
– E m elhor levar isso conosco – decidiu. – Aqueles pobres-diabos não vão precisar m ais.
– Tiveram um a m orte m elhor que outros – com entou o Legionário. –
Não souberam nem o que aconteceu com eles. – Correu um dedo sobre o corte
.
de sua afiadíssim a kandra. – Nada proporciona m orte m ais rápida que um a destas.
– Eu as acho repugnantes – disse Stege, e vom itou pela terceira vez, no m ínim o.
– Olha aqui, eles pediram isso – argum entou Porta irritado. _
Zanzando por aí com os dedos enfiados na bunda e seus cérebros em ponto-m orto. Caso
você tenha esquecido, estam os em guerra! Do m esm o j eito podíam os estar nós ali
deitados com as cabeças decepadas.
– Isso não m elhora as coisas em nada – resm ungou Stege.
– E o que é que você acha que devem os fazer? - Porta virou-se para ele, furioso. – Você
acha que eu m e divirto, arrancando as tripas dos outros?
Acha que gosto desse tipo de vida? Alguém algum dia se incom odou de perguntar, quando
arrastaram você pro puto deste exército; alguém algum dia se incom odou de perguntar se
você queria sair por aí m atando os outros?
Stege sacudiu a cabeça cansadam ente.
– Poupe-nos de suas filosofias caseiras – im plorou.
– Por quê? – disse o Legionário, rolando o cigarro de um canto para o outro da boca. - Pode
ser sim ples, m as isso não quer dizer que sej a m enos verdadeira. Nós estam os aqui para
m atar, goste você ou não. E o trabalho que nos deram e é o trabalho que tem os que fazer.
– Além do que – acrescentou Porta, dando um vigoroso tapa num bando de m oscas que
tentavam entrar em seu nariz – você não m e pareceu nada tím ido na hora de atacar os
outros. O que você m e diz de quando pegou o negócio aí pela prim eira vez? – Apontou o
polegar para a kandra do Stege. – E
o que você m e diz de quando a roubou daquele russo m orto? Por que roubar a faca se não
pretendia usar? Você não pegou pra lim par as unhas, né? Pegou pro caso de ter que enfiar
em alguém , exatam ente com o todos nós.
Nesse m om ento o Velho ergueu-se, cansado, e acenou im pacientem ente com a cabeça.
– Vam os em bora. Tá na hora de ir.
A contragosto e protestando, assim m esm o levantam os e form am os um a coluna, em fila
por um , atrás do Velho.
Nós nos afastam os pelo m eio das árvores, para serm os alcançados
.
pouco depois por Miúdo e Porta, os quais, com o sem pre, tinham ficado para trás para
saquear.
Pela expressão de seus rostos, parecia ter havido algum a discordância entre eles e tam
bém dava para ver que Porta levara a m elhor; ele trazia orgulhosam ente dois dentes de
ouro, enquanto Miúdo só tinha um .
Com o sem pre, o Velho berrou com eles, sem ter o m enor efeito.
– Qualquer dia desses, atiro nos dois. Vocês m e dão noj o! Arrancar os dentes das bocas de
hom ens m ortos!
– Não vej o por que, j á que eles estão m ortos – retrucou Porta alegrem ente. – Você não
deixaria um anel de ouro apodrecer, né? Ou incendiaria dinheiro? Então, qual é a diferença
entre isso e os dentes?
O Velho lim itou-se a fita-lo. Sabia, tão bem quanto nós todos, que em qualquer com panhia
existiam “dentistas” que rondavam os cadáveres com um alicate.
Agora, cinco dias m ais tarde, estávam os sentados debaixo de árvores frutíferas, olhando
para as reservas que vinham chegando e enchendo-nos de linguiça de carneiro. A chuva
caia cada vez m ais forte e puxam os nossas capas m ais para cim a. Essas capas tinham
um a gam a enorm e de utilidades, sendo usadas, conform e exigência das circunstâncias,
com o sobretudo, barraca, cam uflagem , cam a, rede de dorm ir, envoltório para defuntos
