Table Of ContentCopyright © Gonçalo Junior, 2015
Copyright © Instituto Rubem Alves, 2015
Copyright © Editora Planeta do Brasil, 2015
Todos os direitos reservados.
Preparação: Dida Bessana Revisão: Luciana Paixão Diagramação: Futura Capa: Compañía Imagem
de capa: Arquivo pessoal de Rubem Alves Imagens de miolo: Arquivo pessoal de Rubem Alves,
cedidas pelo Instituto Rubem Alves Tratamento de imagens: Wagner Fernandes
Adaptação para eBook: Hondana
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Gonçalo Junior, 1967–
É uma pena não viver: uma biografia de Rubem Alves/Gonçalo Junior. – São Paulo:
Planeta do Brasil, 2015.
496 p.
ISBN: 978-85-422-0547-3
1. Escritores brasileiros – Biografia 2. Alves, Rubem, 1933-2014 I. Título
CDD 928.69
15-0649
Índices para catálogo sistemático:
1. Escritores brasileiros - Biografia
2015
Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA.
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Para Ana Luísa Lage, por tudo.
Aquilo que o coração amou, a memória não esquece.
O que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro.
Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas
havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá.
O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O
que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são
os pensamentos daqueles que o compõem. A missão do jardineiro é sonhar e
levar os outros a sonharem com ele. Logo, se não sonharmos não
conseguiremos criar jardins. Como jardineiros temos a semente do sonho, da
esperança – o evangelho de Jesus Cristo. Temos também o campo, o lugar
onde lançar as sementes – o coração dos homens e mulheres. Parece tudo
perfeito. Mas onde estão os jardineiros? Onde estão os semeadores? Nossa
simples missão é semear sonhos e esperanças nos corações humanos.
Sou um construtor de altares. Construo meus altares à beira de um abismo.
Eu os construo com poesia e beleza. Os fogos que acendo sobre eles iluminam
o meu rosto e aquecem o meu corpo. Mas o abismo continua escuro e
silencioso.
RUBEM ALVES
Sumário
Capítulo 1 UM MUNDO CERCADO DE ESPERANÇAS
Capítulo 2 NO CORAÇÃO DE QUEM VAI E DE QUEM VEM
Capítulo 3 A VIDA NOS LABIRINTOS DE UM CASARÃO
Capítulo 4 A SOLIDÃO NOS BANCOS DA ESCOLA
Capítulo 5 REGRAS PARA SALVAR O MUNDO
Capítulo 6 O PARAÍSO FICA NA TERRA
Capítulo 7 A IGREJA DE UM NOVO MUNDO
Capítulo 8 LONGE DO INFERNO QUE O HOMEM CRIOU
Capítulo 9 HISTÓRIAS PARA RAQUEL DORMIR
Capítulo 10 TEMPOS DE LIBERTAÇÃO DA ALMA
Capítulo 11 A MENINA E O VELHO PÁSSARO ENCANTADO
Capítulo 12 UMA NOVA ESCOLA PARA REFAZER O MUNDO
Capítulo 13 TRAVESSIA SOB UMA PONTE EM ÁGUAS
TURBULENTAS
Capítulo 14 O PRAZER DE VIVER A SIMPLICIDADE DE TUDO
Capítulo 15 DEIXAR DE VIVER É UMA GRANDE PENA
AGRADECIMENTOS
REFERÊNCIAS
Capítulo 1
UM MUNDO CERCADO DE ESPERANÇAS
Não houve na história da pequena cidade de Dores da Boa Esperança, no
sul de Minas Gerais, uma mulher como Sophia Pereira do Espírito Santo.
À frente de um tempo em que o patriarcado era uma instituição quase
divina, principalmente no interior, ela fez história nas três primeiras
décadas do século XX ao ir contra o ritmo lento de progresso em que
seguia a cidade, em círculos, no ritmo dos burros que puxavam o
triturador que tirava até a última gota o caldo do bagaço da cana.
O povo de Dores da Boa Esperança, ao contrário da hiperatividade
comercial de Sophia, parecia não ter pressa, com sua agricultura pastoril
e certa aproximação com o plantio do café, que começava a despertar a
cobiça de alguns fazendeiros. Suas ruas de terra barrenta que viravam
lama na época das chuvas pareciam atolar a ambição das pessoas. Como
escreveu um dos filhos ilustres do lugar, Rubem Alves, neto da famosa
matriarca, todos os caminhos de Dores levavam a nada. A vida ali “era
circular, voltava ao início, girando, girando, andando sem sair do lugar,
assim é o ano, o tempo girando”.
Nesse compasso seguia o comerciante Altino Alves do Espírito Santo,
marido de Sophia, adepto da vida tranquila e de uma preguiça própria
de quem sabe da inutilidade de tudo o que se faz na vida e no mundo.
Parecia feliz com o armazém, a Casa Dorense, que montara na praça
Joaquim Vilella, região central da cidade, fruto da venda de algumas
propriedades que herdou e das economias que fez. Não prestou atenção
nos empurrões que a mulher lhe dava. “Era preciso fazer o negócio
crescer”, dizia ela. Afinal, tinham sete crianças para alimentar e
precisavam garantir um futuro mais tranquilo para todos.
Sophia amargurava calada com a lerdeza do marido, irritava-se com
a falta de iniciativa e de tino para os negócios. De origem humilde, ela
nasceu em tempo errado. Tinha ambições nada comuns para uma mulher
na sociedade tão conservadora como era a mineira. Como o mesmo neto
escreveria depois, ela arrebentou a trava da atafona[1] em 1909, quando
Altino morreu, de causa desconhecida, um ano antes de completar
quarenta anos de idade, e tomou a frente da família, se recusando a
andar em círculos.
Mal o corpo de Altino esfriou na sepultura, Sophia amarrou o avental
na cintura, arregaçou as mangas e botou na cabeça que seria a mulher
mais rica da cidade. Sua ambição, no entanto, confundia-se com
generosidade, pois não era mulher avarenta, capaz de explorar as
pessoas para subir na vida. Escolheria outros caminhos. Rubem ressaltou
que seu tempo era outro, ela queria apressar o rio, transformar suas
águas em corredeiras. Remaria com força, como quem quer criar onda
na água parada. Não aceitava a pachorra da natureza, observou ele. Era
uma mulher moderna.
Se a bula do miraculoso “Elixir de Nogueira” dizia que era para
tomar uma colher no almoço e outra no jantar e esperar pacientemente
que fizesse efeito e trouxesse a cura, Sophia argumentava com precisão
matemática a regra de três que ela mesma estabelecera: se duas colheres
ao dia produzem cura em sessenta dias, oito ao dia produzirão a cura em
quinze. Portanto, não havia tempo a perder. A comerciante pensava
conforme a lógica da indústria, segundo Rubem: para encurtar o tempo,
basta aumentar a velocidade. Ninguém na cidade soube aplicar tão bem
esse preceito nos negócios quanto ela. E, assim, começava a construir
uma história que prometia ser de glória. E seria, só que com prazo de
validade determinado.
Seu nome de batismo era Sophia Pereira. Nascida em 1874, em
Santana do Jacaré, próxima à cidade de Campo Belo, Minas, veio da
mistura de branco com índio e turco. Um coquetel de raças e culturas
que parece ter tornado seu sangue mais resistente e teimoso. Altino do
Espírito Santo, que ela dizia amar por toda a vida e depois da morte,
veio à luz em Santo Antônio do Amparo. O destino os uniu em Dores da
Boa Esperança, mas não se soube exatamente como tinham ido parar ali.
O mais provável era Altino ter sido levado pelo irmão mais velho,
Antônio Cipriano, comerciante bem conceituado na cidade, porém sem o
pedigree das grandes famílias locais.
Altino e Sophia se casaram em janeiro do mesmo ano da Proclamação
da República, ocorrida em 15 de novembro de 1889. A união não foi
precoce para a época: ele, com dezesseis anos. Ela, com quinze
incompletos. Mesmo quase adolescentes, perceberam que tinham nascido
um para o outro. E logo começaram a ter filhos. O primeiro a vir ao
mundo foi América, dois anos depois do casamento dos pais. Herodiano,
apelidado Diano, primeiro filho homem, nasceu em 1895. Nos dez anos
seguintes nasceram José (Dedé), Dermeval (Vadoca), Antônio (Fodosca),
Maria (Mariinha) e Aurora.
Com 35 anos de idade e sete filhos, Sophia não se deixou esmorecer.
Em apenas cinco anos, com a ajuda de Diano, que tinha catorze quando
o pai faleceu, ampliou tanto o armazém que passou a ocupar todo um
quarteirão em forma triangular, entre a praça Joaquim Vilella, a rua
Governador Valadares e a Dr. Salles – onde começava a Dr. Sá Brito,
pequeno trecho de quatro quarteirões, onde nasceria seu neto Rubem
Alves, em 1933. Sua visão de negócio a fez comprar uma das casas que
ficavam na mesma praça, na esquina em frente à loja. De lá, podia
acompanhar a rotina dos filhos e, quando estava em casa, o progresso de
seu negócio.
Em meados da década de 1910, a comerciante já tinha alguns pontos
Description:Nessa biografia tocante e reveladora, Gonçalo Junior leva o leitor para o mundo singular desse humanista e revela segredos e detalhes de uma existência marcada pela pregação de ideias estimulantes que pretendiam levar as pessoas à transformação de si mesmas e das coisas à sua volta. Joga luz