Anais do VI Ciclo Internacional de Estudos Antigos e Medievais

417 Pages·2017·4.3 MB·Portuguese

Anais com Trabalhos Completos

VI Ciclo Internacional de Estudos Antigos e Medievais
“Discursos, Identidades, Sexualidades”

15 a 18 de junho de 2015
Conselho Editorial Conselho Consultivo

Sílvia Maria Azevedo (Presidente) Adilson Odair Citelli (USP)
Karin Adriane H. Pobbe Ramos (Vice-presidente) Antonio Castelo Filho (USP)
Álvaro Santos Simões Junior Carlos Alberto Gasparetto (UNICAMP)
André Figueiredo Rodrigues Durval Muniz Albuquerque Jr (UFRN)
Carlos Camargo Alberts João Ernesto de Carvalho (UNICAMP)
Carlos Eduardo Mendes Moraes José Luiz Fiorin (USP)
Cleide Antonia Rapucci Luiz Cláudio Di Stasi (IBB – UNESP)
Danilo Saretta Veríssimo Oswaldo Hajime Yamamoto (UFRN)
Gustavo Henrique Dionísio Roberto Acízelo Quelha de Souza (UERJ)
José Luis Bendicho Beired Sandra Margarida Nitrini (USP)
Lúcia Helena Oliveira Silva Temístocles Cézar (UFRGS)
Márcio Roberto Pereira
Maria Luiza Carpi Semeghini

Matheus Nogueira Schwartzmann
Miriam Mendonça M. Andrade
Paulo César Gonçalves
Ronaldo Cardoso Alves
Vânia Aparecida Marques Favato

Secretário

Paulo César de Moraes

FICHA CATALOGRÁFICA

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da F.C.L. – Assis – Unesp

Ciclo Internacional de Estudos Antigos e Medievais (6.:2015:Assis,
C568a SP).
Anais do 6º Ciclo Internacional de Estudos Antigos e Medievais
[recurso eletrônico]: “Discursos, Identidades, Sexualidades”, Assis,
SP, 15 a 18 de junho de 2015 /Organização Andrea Lúcia D. Olivei-
ra Carvalho Rossi, et.al. Assis: UNESP - Campus de Assis, 2018.
415 p. : il.

Vários autores
ISBN: 978-85-66060-27-0

1. História antiga. I. Rossi, Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Car-
valho. II. Rocha, Ivan Esperança. III. Carvalho, Margarida Maria.
IV. Andrade Filho, Ruy Oliveira.V. Bondioli, Nelson de Paiva.
VI. Título.
CDD 930

CDD 301.44
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

Reitor
Julio Cezar Durigan

Vice-Reitor
Marilza Vieira Cunha Rudge

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE ASSIS

Diretor
Ivan Esperança Rocha

Vice-Diretor
Ana Maria Rodrigues de Carvalho

COMISSÃO ORGANIZADORA

Dra. Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi
Prof. Dr. Ivan Esperança Rocha
Dra. Margarida Maria de Carvalho
Dr. Ruy de Oliveira Andrade Filho
Dr. Nelson de Paiva Bondioli

COMISSÃO CIENTÍFICA

Dr. Alessandro J. Beccari - UNESP
Dra. Ana Teresa Marques Gonçalves – UFG
Prof. Dr. Carlos Roberto de Oliveira - UNESP
Dra. Cláudia Penavel Binato - UNESP
Dr. Dominique Santos – FURB
Dr. Fernando Cândido da Silva – UFSC
Dr. Germano Miguel Favaro Esteves – UNESP
Dra. Lourdes Conde Feitosa – USC
Dra. Luana Neres de Sousa - IFG
Dra. Márcia Lemos – UESB
Dr. Mário Jorge da Motta Bastos – UFF
Dr. Nelson de Paiva Bondioli - NWU (North-West University - África do Sul)
Prof. Dr. Pedro Paulo de Abreu Funari – UNICAMP
Dr. Rafael da Costa Campos - UNIPAMPA
Dra. Raquel Parmegiani – UFAL
Dra. Renata Biazotto Venturini – UEM
Dr. Renato Pinto – UFPE
Dr. Ronaldo Amaral – UFMS
Dr. Sérgio Feldman – UFES
Dra. Terezinha Oliveira – UEM

REVISÃO

Me. Frederico Santiago da Silva

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Apresentação

Os textos que temos o prazer de apresentar são o resultado dos debates, trabalhos e
palestras apresentados durante o Ciclo Internacional de Estudos Antigos e Medievais, que,
em sua sexta edição, foi sediado na Faculdade de Ciências e Letras de Assis, campus da
UNESP, entre os dias 15 e 18 de junho de 2015, em comemoração dos trinta anos do
Núcleo de Estudos Antigos e Medievais (NEAM).
O núcleo teve seu nascimento no ano de 1985, criado pelo Prof. Dr. Carlos Roberto
de Oliveira, visando a suprir a carência de produções científicas e acadêmicas no Brasil
sobre os períodos antigo e medieval, ideia que logrou sucesso e encontrou uma grande
recepção. Na década de 1990, deu-se início ao Ciclo de Estudos Antigos e Medievais
(CEAM), evento que congregava pesquisadores brasileiros para debaterem temas
pertinentes à área. Em 2005, o CEAM foi expandido, trazendo a nomenclatura Ciclo
Internacional de Estudos Antigos e Medievais (CIEAM), chamando a comunidade científica
nacional e internacional a discutirem e divulgarem suas pesquisas.
O evento contou com a presença de conferencistas e palestrantes do Brasil, dos
Estados Unidos, do Reino Unido, da França, do Chile e da Argentina, além de proporcionar
a oportunidade a pesquisadores de participarem de minicursos e acompanhar mesas
redondas.
Na sua sexta edição, o CIEAM teve como objetivo reunir a comunidade científica
nacional e internacional para o debate acadêmico em torno da temática “Discursos,
Identidades, Sexualidades”, tão cara às Ciências Humanas. Assim, o tema do evento foi
escolhido com o objetivo de suprir a demanda por esses assuntos, que, no momento,
destacam-se pelo grande interesse que despertam entre docentes e discentes que estudam
a antiguidade e medievalidade.
Ressalte-se a contribuição trazida pelos estudos sobre as sexualidades, os quais
proporcionam renovação nas leituras sobre o mundo antigo e medieval. Além disso,
destaque-se também a possibilidade de debater as novas percepções sobre as identidades
e, assim, sobre a diversidade, tendo em vista que esses conceitos resultam da articulação
de vários discursos e de suas temporalidades.
Os capítulos aqui publicados foram analisados pela comissão organizadora,
conforme as relevâncias historiográficas e acadêmicas, relacionadas com a temática do
evento.

Dr. Germano Miguel Favaro Esteves

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Sumário

1. ANICETO, Bárbara Alexandre. A Representação do Feminino em Aristófanes:
algumas considerações sobre a comédia Lisístrata (Séc. V a. C.)................. pp. 6-19.

2. ANJOS, Crislayne Fátima dos. As astúcias do Diabo: feitiçaria na Idade Média e no
Malleus Maleficarum sob o ponto de vista foucaultino (século XV)............. pp. 20-30.

3. ARZANI, Alessandro. Os judeus segundo Justino Mártir............................... pp. 31-44.

4. BARBOSA, Leandro Mendonça. O Sileno Sexualizado: o falo como poder sexual nas
representações artísticas da Ática.................................................................. pp. 45-53.

5. BELMAIA, Nathany A. W. Os imperadores pagãos: história, religiões e a entrada do
Cristianismo no Império Romano.................................................................... pp. 54-69.

6. BIAZOTTO, Thiago do Amaral. Uma desgraça e estigma para a Grécia: a sexualidade
de Alexandre Magno no filme Alexander (2004), de Oliver Stone................. pp. 70-78.

7. CAMPOS, Rafael da Costa. O afastamento de Tibério César Augusto (14-37 d. C.) de
Roma para Capri - um marco de inflexão política durante seu principado..pp. 79-91.

8. CARVALHO, Ligia Cristina. O tratado do amor cortês e as relações entre os sexos
na perspectiva da análise do discurso.......................................................... pp. 92-110.

9. CARVALHO, Rafael Virgilio de. A Pístis de Platão: Problematização da estrutura
dramática dos diálogos................................................................................. pp. 111-133.

10. CASIMIRO, Ana Palmira Bittencourt Santos; ALMEIDA, Maria Cleidiana Oliveira de;
SILVEIRA, Camila Nunes Duarte. Influências da Patrística e da Escolástica na
Evangelização e Catequese da Europa Medieval....................................... pp. 134-148.

11. CEOLA, Adriele Andrade; VENTURINI, Renata Lopes Biazotto. Narrativa histórica e
biografia: a vida de Galba............................................................................. pp. 149-162.

12. COELHO, Fabiano de Souza. Cristianismo, sexualidade e poder: um estudo
comparado da condição dos casados em textos de Agostinho e
Jerônimo......................................................................................................... pp. 163-176.

13. FERREIRA, Paula Ruas; CASIMIRO, Ana Palmira Bittencourt Santos. Educação
medieval: a memória histórica e metodológica da pedagogia
franciscana..................................................................................................... pp. 177-189.

14. FIOROT, Juliana Bardella. Reflexões sobre o conceito de identidade religiosa na
Galiza do século VI........................................................................................ pp. 190-203.

15. FRANZ, Amanda de Carvalho; OLIVEIRA, Jane Kelly de . Tempo e espaço em As
Tesmoforiantes: estratégias de reconfiguração espaçotemporal e a importância do
espectador na recepção da obra.................................................................. pp. 204-216.

16. GIBELATO, Lahís Moreno. Estereótipos femininos em O asno de ouro, de
Apuleio............................................................................................................ pp. 217-231.

17. GOBATO, Douglas Raphael Machado; VENTURINI, Renata Lopes Biazotto. Lactâncio
nas epístolas de São Jerônimo.................................................................... pp. 232-247.
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18. MANSO, Ailton. A Construção da sexualidade cristã frente ao “outro” em 1
Coríntios......................................................................................................... pp. 248-259.

19. MARRONI, Paula Carolina Teixeira; OLIVEIRA, Terezinha. A relação entre o cavaleiro
e a mulher sob a ótica de Raimundo Lúlio No Livro Da Ordem De Cavalaria (1272–
1283)................................................................................................................ pp. 260-269.

20. MENNITTI, Danieli. Um diálogo com os ausentes: representação, gênero e o
feminino em Roma........................................................................................ pp. 270-286.

21. OLIVEIRA, Amélia de Jesus. A escolástica na historiografia da ciência... pp. 287-304.

22. OLIVEIRA, Cláudia Trindade de. O episcopado na Galiza: paradoxos entre a
religiosidade popular e o Cristianismo....................................................... pp. 305-318.

23. OLIVEIRA , Isadora Buono de. Valerius Maximus: O discurso religioso e a
construção da romanidade no período do século I d.
C...................................................................................................................... pp. 319-330.

24. OLIVEIRA, Jane Kelly de. Coro feminino de Lisístrata e sua importância no
desenvolvimento do enredo – um exercício de análise semiológica......... p. 331-347.

25. OLIVEIRA, Mariane Farias de. Endoxa e Phainomena na Ethica
Eudemia............................................................................................................ p. 348-358.

26. RAMOS, Viviane Kate Pereira; SILVA , Dayanne Azevedo da. Relações de homophilía
na Grécia clássica: apropriações de modelos homoafetivos helênicos na
contemporaneidade....................................................................................... pp. 359-376.

27. RIBEIRO JR, Benedito Inácio. É possível modificar as relações de gênero
modificando somente as mulheres?........................................................... pp. 377-383.

28. VENTURINI, Renata Lopes Biazotto; SOARES, Thais Ap. Bassi. O epigrama em
Marcial............................................................................................................ pp. 384-398.

29. RUBIM, Sandra Regina Franchi; VIANA, Ana Paula dos Santos. Princípios educativos
na Idade Média: um estudo do manual de Dhuoda.................................... pp. 399-415.

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A Representação do Feminino em Aristófanes: algumas considerações sobre a
comédia Lisístrata (Séc. V a. C.)

The Representation of the Feminine in Aristophanes: some considerations about the
comic piece Lysistrata (Century V b.C.)

Bárbara Alexandre Aniceto1

Resumo: A atuação feminina nas comédias de Aristófanes foi concebida como circunscrita
ao espaço privado, às funções familiares, e apresentada pela historiografia através da
insígnia negativada do papel feminino na Antiguidade. Considerando a comédia aristofânica
como um relevante documento antigo, revelador de elementos diversos integrados à
sociedade ateniense, nossa pesquisa tem por objetivo compreender a representação ativa
do feminino no enredo cômico aristofânico, evidenciando a inclusão da mulher nos espaços
públicos atenienses a partir da problematização da relação entre o feminino e o masculino
na sociedade ateniense do V século a. C. Neste trabalho, analisaremos algumas
características da peça As Tesmoforiantes (411 a. C.)
Palavras-chave: História da Grécia Antiga; Comédia Aristofânica; Relações de Gênero;
Papel Feminino.

Abstract: Many authors have defended that feminine presence in Aristophane’s plots
expressed only a tone of comicality of the works and reflected a concern of mocking the
greek woman’s image. The feminine acting in Aristophane’s plots have been conceived as
circumscribed to the private space, to the domestic functions and is presented by the
historiography through the negative emblem of the feminine role in Antiquity. Counteracting
this idea, our work pursuits the understanding of the active representation of the feminine in
the comic plot, emphasizing the woman`s inclusion in Athenian public spaces by the debate
about the relation between the feminine and the masculine in the Athenian society of fifth
century B.C.
Keywords: History of Ancient Greece; Aristophanic Comedy; Gender relations; Feminine
Role.

No último quartel do século V a. C., estima-se que foram produzidas
aproximadamente quarenta comédias aristofânicas, das quais onze chegaram até nós. Em
nossa concepção, dentre as onze, três exploram significativamente o universo feminino. São
elas: Lisístrata (411 a. C.), As Tesmoforiantes (411 a. C.) e Assembléia de Mulheres (392 a.
C.). E dentre essas, debruçar-nos-emos sobre algumas características específicas de
Lisístrata, incluindo características sobre as outras peças a título de comparação.
Nascido na época da concretização democrática, em 450 a. C. (SILK, 2005, p. 19),
Aristófanes evidenciou uma série de transformações profundas da pólis (πολις) ateniense. Em
443 a. C., sete anos após o nascimento do comediógrafo, Péricles ascendeu ao posto de
estratego, fortalecendo as bases políticas de Atenas sobre as demais cidades gregas,
mormente com as contribuições da Liga de Delos. Com dezenove anos, o jovem poeta
presenciou o início da Guerra do Peloponeso, que viria a constituir o mote de Lisístrata

1 Mestranda em História pelo Programa de Pós-Graduacão em História da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP/Franca e orientanda da profa. Dra. Margarida Maria de
Carvalho do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Faculdade
de Ciências Humanas e Sociais – UNESP/Franca.
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tempos mais tarde. Dezoito anos depois, em uma situação radicalmente distinta, na qual a
cidade ateniense viu sua democracia e proeminência ruir gradativamente, compôs Assembleia
de Mulheres. Observador perspicaz e crítico assaz irônico, Aristófanes documentou o cenário
político conturbado que caracterizou Atenas, sobretudo no arco temporal em análise.
Adriane da Silva Duarte (2005, p. 9) segue a mesma linha de Lauren Taaffe (1994, p.
2) quando defende que as comédias eram representadas em duas festividades do
calendário citadino: as Grandes Dionísias e as Lenéias. Ambas afirmam que a primeira
destinava-se a um público maior, incluindo estrangeiros e cidadãos, e a segunda, por outro
lado, era prestigiada apenas pelos atenienses. Ao caráter religioso e ritualístico das
celebrações, somava-se a constante reafirmação da soberania política de Atenas, evocada
tanto pela tragédia quanto pela comédia. As representações teatrais nas festas
configuravam, assim, espaços de legitimação da unidade políade, pois salientavam
questões centrais concernentes ao funcionamento e perpetuação da cidade. Como nos
aponta Maria de Fátima Sousa e Silva (2007, p. 59), vale lembrar que a institucionalização
do teatro acompanhou a consolidação da democracia ateniense.
Segundo Grimal (1978, p. 61), as produções aristofânicas inserem-se na chamada
comédia antiga, caracterizada pela inserção de indivíduos do cotidiano, partícipes
proeminentes da vida política da cidade. As peças refletem, com algumas distinções, o
período descrito de gradual dissolução da democracia ateniense, incitado pelo conflito bélico
entre Esparta e Atenas. Ao indicar explicitamente os nomes dos políticos nas peças,
Aristófanes intencionava denunciar a insatisfatória administração da cidade e o
prolongamento da guerra, que causava danos ao cenário social e à sustentação da pólis.
Segundo Marta Mega de Andrade (2003), é possível compreender o estatuto do
feminino na Atenas Clássica pela sua alteridade. A mulher é reconhecida e apreendida
como o outro; outro em relação ao masculino e à ordem normativa da cidade. Nessa linha
de raciocínio, acreditamos que tal reconhecimento é realizado pelo teatro, que, ao inserir a
figura feminina nos enredos, identifica-a como parte integrante da pólis. No caso
aristofânico, as mulheres são situadas em ambientes masculinos, como a Acrópole (parte
alta da cidade de Atenas) em Lisístrata e a Pnyx (ponto de encontro dos participantes da
Ekklesia, localizado a oeste da Acrópole) em Assembleia de Mulheres, reiterando o papel
político da mulher não apenas como reprodutora legítima dos cidadãos, mas, sobretudo,
como componente de um quadro valorativo que a reconhece pelo olhar da alteridade. As
encenações remetem à questão da diferença e do outro na cidadania ateniense.
Ao discorrer sobre a estruturação cômica em Aristófanes, Trajano Vieira (2011),
comentarista da edição por nós utilizada, também ressalta o elemento da alteridade, em
razão de defender que as peças se pautavam na teatralização do sexo oposto, em especial
As Tesmoforiantes com seus diversos personagens travestidos: o Parente, que se traveste a
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fim de participar do ritual; Agatão, figura afeminada que também se veste como mulher e
Eurípedes, que surge como mulher, travestido de cafetina. Podemos constatar que o
comediógrafo ao teatralizavar o outro – a mulher, o bárbaro, o afeminado –, dessa maneira,
e ao desenvolver inversões dos papéis socioculturais e transformações da imagem sexual
pelo travestimento, contribuía, em nossa compreensão, para a construção de determinada
imagem da pólis. Essa imagem, embora caricata pela linguagem cômica, estava baseada
nas práticas cotidianas e sociais dos atenienses, uma vez que o teatro estruturava-se pela
mímese – imitação da vida.

A performance do que não se é pressupõe um processo de metamorfose e
impregnação no novo papel, a ponto de a expressão inédita soar natural.
Essa é a explicação que Agatão oferece de seu comportamento feminino. A
vida imita a arte a tal ponto que a arte vira imitação da vida. (VIEIRA, 2011,
p. 242)

Desse modo, como aponta Andrade (2001, p. 22-25), o teatro estabelecia uma
relação íntima e mútua com a cidade, pressupondo trocas entre ambas as esferas. As
produções aristofânicas levavam ao cotidiano da população a dúvida, o questionamento, a
reflexão política e identitária acerca de si mesma e, principalmente, acerca das tensões
entre os papéis sociais feminino e masculino. O teatro produzia a cidade e era produzido por
ela; ressignificava-a, visto que discutia e tornava públicas as fraquezas e contradições da
democracia ateniense, logo a autora infere a presença de uma cidadania feminina na pólis.
As mulheres pertencentes à aristocracia e à classe popular não possuíam uma atuação
submissa frente ao quadro valorativo ateniense; em contrapartida, eram parcialmente
reconhecidas enquanto cidadãs pela lei de Péricles. A lei, de 451 a. C., promulgava a
descendência de pais e mães atenienses aos cidadãos, ressaltando a ligação entre o status
da mulher e a cidade.
Sendo assim, acreditamos que a mulher, mormente a esposa legítima, estava apta a
desempenhar um papel ativo, sustentada por tal reconhecimento. Ela criava estruturas de
inclusão cívica devido ao seu estatuto, bem como um lugar próprio, no qual atividades e
identidades de uma cultura feminina eram forjadas em paralelo com o gênero masculino. O
imaginário propugnado por autores gregos do período clássico nos permite entrever um
modelo de esposa a ser seguido, de acordo com normas previamente estabelecidas. Criado
por Semônides de Amorgos, o padrão social da Mélissa (mulher-abelha) representava a boa
esposa, subserviente, silenciosa e atenta às atribuições do oikos. Com o fito de evitar
generalizações acerca da categoria mulher, consideramos importante ressaltar que o recorte
deste trabalho reside nas esposas legítimas e bem-nascidas dos cidadãos atenienses.
Apesar de encontrarmos referências a diferentes segmentos sociais femininos nas obras
aristofânicas, notamos que as peças se debruçam especificamente sobre o papel e a
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