alexandra curvelo

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ALEXANDRA CURVELO DA SILVA CAMPOS

NUVENS DOURADAS E PAISAGENS HABITADAS
A ARTE NAMBAN E A SUA CIRCULAÇÃO ENTRE A ÁSIA E A
AMÉRICA: JAPÃO, CHINA E NOVA-ESPANHA
(c. 1550 – c. 1700)

Tese apresentada ao Departamento de História da Arte da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa
para a obtenção do grau de Doutor em História da Arte

Orientador: Professor Doutor Rafael Moreira

Estudo subsidiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia
Serviço de Formação dos Recursos Humanos BD/12461/2003

Departamento de História da Arte
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Universidade Nova de Lisboa

Novembro de 2007

ÍNDICE

Agradecimentos iii
Introdução vii
Nota sobre transcrições, citações e abreviaturas xxiii

Parte I – Espaços, Tempos e Gentes 1

Capítulo 1 – A presença portuguesa na Ásia c. 1550 – c.1650 3
1.1 A Ásia no início da Idade Moderna 3
1.2 O Estado da Índia e o Padroado Português do Oriente 17
1.3 Redes e agentes mercantis no Mar da China e no Sudeste asiático nos 39
séculos XVI e XVII
1.4 Vida material: a adaptação dos Portugueses aos novos contextos 58
geográficos e civilizacionais

[Mapas 1 a 3. Figuras 1 a 4]

Capítulo 2 – Os Portugueses no Japão 75
2.1 A conjuntura política japonesa entre c.1540-c.1640 75
2.2 O trato do Japão e o kurofune 92
2.3 A Companhia de Jesus no Japão 108
2.4 A fundação de Nagasaki 124

[Mapas 4 e 5. Figuras 5 a 13]

Parte II – O fenómeno namban no Japão 143

Capítulo 1 – Uma arte ao serviço das elites japonesas 145
1.1 A cultura artística do período Azuchi-Momoyama 145
1.2 A divulgação da imagem dos namban-jin 170
1.3 O mecanismo da encomenda japonesa: as classes militar e mercantil 205

[Figuras 1 a 43]

Capítulo 2 – Ao serviço da fé: a arte kirishitan 235
2.1 A Companhia de Jesus e o método da “acomodação” 237
2.2 A construção de uma imagem da Europa: a embaixada de 1582-1590 269
2.3 Os executantes: o seminário de pintura jesuíta 293
2.5 A prática artística: a cópia como instrumento de conversão 325

[Figuras 44 a 64]
i
Parte III – Ecos da arte namban na China e na Nova-Espanha 349

Capítulo 1 – Macau e a missão da China 351
1.1 Presença cultural e artística dos Jesuítas em Macau: o colégio e a igreja 351
da Madre de Deus
1.2 Após 1614: a continuidade do Seminário de pintura 371
1.3 O padre Matteo Ricci e a divulgação da arte ocidental na China 404

[Figuras 1 a 27]

Capítulo 2 – O Vice- reinado da Nova-Espanha 421
2.1 Manila: ponte entre a Ásia e a América 421
2.2 Relações diplomáticas entre o Japão e a Coroa espanhola 438
2.3 O Vice-reinado da Nova-Espanha: esboço dos contextos social, religioso e
artístico 451
2.4 Ecos do Japão entre Acapulco e Veracruz 473

[Figuras 28 a 46]

Parte IV – Considerações finais 495

Apêndices 501
Documentos 503
Cronologia 589
Glossário 603
Lista de Mapas e Figuras 613

Fontes e Bibliografia 619
Principais Siglas 621
Fontes manuscritas ou digitalizadas 622
Fontes impressas (textuais e visuais) 632
Colectâneas documentais 637
Bibliografias, Catálogos e Glossários 638
Dicionários e Enciclopédias 639
Catálogos de Museus / Exposições / Colecções / Leilões 640
Estudos 645
Sítios da Internet 687
Base de Dados 688
ii
AGRADECIMENTOS

Na execução de um trabalho desta natureza, que implicou uma entrega
exigente nas suas diferentes fases e que se desenvolveu ao longo de vários anos,
foram necessariamente muitas e diversificadas as pessoas e instituições que
contribuíram para a sua concretização. Importa aqui salientar os apoios que
considero terem sido fundamentais, e sem os quais a tese que agora se apresenta não
teria sido, de facto, possível.
Ao Professor Doutor Rafael Moreira, orientador desta tese, devo o despertar
da minha curiosidade e interesse pelo universo da arte colonial portuguesa, de cujo
estudo foi pioneiro. Foi graças às suas aulas, conversas e obra produzida que decidi
percorrer esta “viagem das formas”. O encorajamento e confiança que depositou
neste projecto foram alicerces indispensáveis para a sua execução. O seu saber e
inteligência são uma constante e renovada fonte de admiração e de inspiração.
À Fundação para a Ciência e Tecnologia, que me concedeu uma bolsa de
Doutoramento de Maio de 2004 a Abril de 2007, tornando deste modo possível a
prossecução, sem interrupções, da investigação iniciada no ano 2000, viabilizando
igualmente a realização de uma série de deslocações ao estrangeiro, essenciais para o
trabalho que me propus levar a cabo.
Ao corpo docente do Departamento de História da Arte da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, pela amizade,
interesse e apoio permanentes durante estes anos.
Aos colegas e amigos do Centro de História de Além-Mar, e particularmente
ao seu director, Professor João Paulo Oliveira e Costa, de quem recebi uma ajuda
incondicional na partilha de informação, materiais e ideias, e onde encontrei um
espaço humano que me acolheu sempre que foi necessário.
À Fundação Oriente, e sobretudo ao Engenheiro João Calvão, director do
Serviço de Cultura, dirijo uma palavra de enorme apreço pelo incentivo dado para a
publicação de textos e participação em colóquios e conferências, salientando
igualmente o apoio financeiro prestado nas deslocações ao Japão em 2000 e 2002,
tendo inclusivamente permitido a frequência do seminário de Arte Japonesa da
Sophia University, em Tokyo.
iii
Aos colegas e amigos do Museu Nacional de Arte Antiga, onde trabalhei
entre 1996 e 2000, e do antigo Instituto Português de Conservação e Restauro, agora
integrado no Instituto dos Museus e da Conservação (IMC), a cujo quadro técnico
pertenço. Estas instituições são lugares referenciais de saber e de afecto. À direcção
do IMC, assim como ao Dr. Rui Ferreira da Silva, é devida uma palavra especial de
agradecimento pela ajuda disponibilizada.
Aos responsáveis e funcionários das Bibliotecas, Arquivos e Museus onde
decorreu o levantamento e a investigação bibliográfica e material, tanto em Portugal
como no estrangeiro, estou reconhecida pela atenção e disponibilidade demonstradas,
que não raras vezes ultrapassaram largamente os deveres meramente institucionais.
Ao Professor Fernando Bouza Alvarez, que me aconselhou durante o
processo de preparação da investigação em Madrid e Sevilha. A Jan van Bremen, que
recordo com estima e saudade, Phillip Meredith e Cynthia Viallé, que na Holanda me
facilitaram a consulta de bibliografia e a visita a colecções artísticas, nomeadamente
nas Bibliotecas e Centros de Estudos da Universidade de Leiden / Rijksuniversiteit te
Leiden e no Rijksmuseum voor Volkskunde. Em Roma, ao Padre Daniele Libanori,
SJ, por ter permitido a observação das pinturas da sacristia da Igreja de Gesù e por
ter facultado reproduções fotográficas das mesmas. No Japão, ao Professor Antoni
Uçerler, SJ, que me guiou na preciosa colecção do Kirishitan Bunko / Sophia
University e ao Professor Saburo Kimura, que me conduziu nos acervos do Toyo
Bunko (Oriental Library) e da Diet Library (Biblioteca Nacional). Ao então adido
cultural da embaixada de Portugal em Tokyo, Arquitecto Eduardo Kol de Carvalho,
estou profundamente agradecida pela forma como me recebeu e pelo papel de
intermediário que desempenhou junto de várias instituições museológicas que visitei
em Tokyo, Osaka, Fukuoka, Nagasaki e Kobe. Em Macau, a André Silveira e a
Francisco Vizeu Pinheiro. No México, a Jorge Loyzaga, a primeira pessoa que me
falou sobre os ecos do Japão na Nova-Espanha, pelo entusiasmo contangiante e pela
colaboração inestimável na obtenção de bibliografia e no apoio logístico concedido.
A Aurèlie Samuel, do Musée Guimet, Paris, e a Ester Console, dos Musei
Vaticani, que me acompanharam na visita às respectivas reservas de arte japonesa; a
Annemarie Jordan e a Almudena Pérez de Tudela, pelo apoio que me foi dado em
Madrid e muito particularmente no Mosteiro do Escorial; a Oliver Impey, por quem
ainda tive o enorme privilégio de ser guiada no Ashmolean Museum de Oxford; a
iv
Julia Hutt, conservadora de arte japonesa do Victoria & Albert Museum, Londres,
incansável na forma como me conduziu pela colecção asiática deste museu e pela
documentação facultada; a Francisco Rivero Lake, que me concedeu o acesso à sua
colecção particular; a Luísa Vinhais e Jorge Welsh, exemplares na forma como me
permitiram ver peças e consultar bibliografia. A Oka Mihoco, que traduziu partes da
bibliografia japonesa que surge referenciada, assim como as inscrições que aparecem
nalgumas peças. A Maria João Vilhena de Carvalho, que rigorosa, mas
diligentemente, fez a tradução paleográfica dos documentos inseridos no respectivo
Anexo. Ao Alexandre Pais, pelo alento em momentos decisivos e pelo apoio valioso
na digitalização de inúmeras imagens. À Dra. Nazaré Escobar que, com a dedicação
que lhe é conhecida, reviu a bibliografia. Ao Rein Raud, pelo espírito crítico com que
argumentou uma das linhas de trabalho posteriormente desenvolvida. Ao Rupert
Cox, pelo comentário analítico e o diálogo aberto. Uma palavra especial a Maria
Helena Mendes Pinto pelo entusiasmo com que seguiu os vários passos desta tese,
encontrando tempo para ouvir dúvidas, sugerir leituras, ver e discutir peças e
imagens.
Aos amigos de sempre – Joana Sousa Monteiro e Pedro Cardim, Nuno Senos,
Catarina e Nuno Villamariz, Fausto Jorge de Almeida e Ana Margarida Ribeiro,
Cristina Joanaz, Ana Vasconcelos, Maria João Vilhena de Carvalho, Celina Bastos,
Luísa Penalva e Anísio Franco – e aos amigos cujos laços foram cimentados durante
a realização desta tese: Ana Fernandes Pinto, André Silveira, Beata Romanowicz,
Carla Alferes Pinto, João Mário Soalheiro, João Petisca, Markus Neuwirth e Ulli
Groener, Pedro Lage Correia, Zoltán Biderman e Andreia Martins.
Durante as estadias no estrangeiro houve quem me tivesse recebido como
mais um elemento da família: a Paula Santos em Osaka, a família Murata em Tóquio,
Jorge e Charlotte Loyzaga na Cidade do México, Giulia Rossi Vairo e Kristjan
Tommaspoeg em Roma.
À minha família devo o carinho, o apoio incondicional, o incentivo, a
compreensão, os conselhos, a exigência e a voz crítica: o Pai e o avô Jorge são aqui,
e sempre, especialmente lembrados; o Alexandre; a Elisa Maria; as avós Amélia e
Luísa; a Paula e o Bruno, o André e o Francisco. À Mãe e ao João, pelo que atrás foi
mencionado e por muito, muito mais. Ao Afonso, por dourar e habitar a minha
paisagem quotidiana.
v
vi
INTRODUÇÃO

A presente tese centra-se na análise de um fenómeno artístico e cultural
gerado pela experiência colonial portuguesa na Ásia – a arte Namban – e na sua
disseminação na China e no Vice-Reinado da Nova Espanha.
Impõe-se esclarecer desde já que o entendimento que fazemos de arte
namban, e na esteira de alguns estudiosos desta matéria1, remete para a acepção mais
restrita do termo, o que significa que, em território japonês, o universo material
abarcado cinge-se à presença portuguesa no país, ou o que dela resultou: «The word,
then, does not signify a particular style or system; rather it is a convenient general
term for works in two heterogeneous styles of completely different origin – a
Japanese style and a Western style2».
Assim, por namban bijutsu, termo cunhado pela historiografia nipónica no
início do século XX, consideramos as manifestações artísticas que foram motivadas
ou decorreram dos contactos estabelecidos entre os Japoneses e os primeiros
europeus a chegar ao Japão. Tal significa que a influência holandesa não é aqui
contemplada. Não apenas o enquadramento histórico é diferenciado, como o foram
as motivações por parte de uns e de outros. Significativamente, os holandeses não
eram conhecidos como namban-jin, ou “bárbaros do Sul”, designação que incluía
portugueses, espanhóis, italianos, mas sim como komo-jin, ou “homens ruivos”. Uns
e outros eram estrangeiros, sendo a correspondente palavra japonesa (gaijin) um
termo que encerra em si mesma a noção de “intruso”. Curiosamente, os povos

1 Okamoto, The Namban Art of Japan. New York; Tokyo: Weatherhill; Heibonsha, 1972; Sakamoto,
Sugase; Naruse, Namban bijutsu to yōfuga (Namban Art and Western-Style painting). Genshoku
Nihon no bijutsu (full-color reproductions of Japanese art), Vol.25. Tokyo: Shōgaku-kan, 1970;
Takamizawa, “Biombos Namban”. Arte Namban. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981.
Exposição organizada pela Embaixada do Japão em Portugal, Lisboa; Japan Foundation; Ministério
dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Secretaria de Estado da Cultura; Fundação Calouste
Gulbenkian; Pinto, “Arte Namban”. Os Descobrimentos Portugueses e a Europa do Renascimento.
XVII Exposição de Arte, Ciência e Cultura. Vol.II: A Arte e a Missionação na Rota do Oriente.
Lisboa: Presidência do Conselho de Ministros, 1983. p.201-230; Gutiérrez, “A Survey on Namban
Art”. Revista de Cultura, No.17 (II Série). Lisboa: Instituto Cultural de Macau, Outubro/Dezembro
1993.
2 Okamoto, Op.Cit., p.9. Seguindo este raciocínio, o autor na página 114 da mesma obra afirma «The
art that has been grouped together as namban comes, it is true, from the totally dissimilar streams of
Japanese and Western painting. Yet both owed their origins to separate historical demands (...)». No
entanto, e entrando quase em contradição (e, evidentemente, acabando por não o pôr em prática), na
p.120 escreve «The term namban art should, in a rigourous sense, mean “Western-style art” since it
was brought by aliens, along with an alien religión, into a Japan that was previously totally unaware of
it».
vii
asiáticos eram descritos pelos japoneses em termos da sua origem e nacionalidade,
não em função de serem estranhos. Gaijin, termo utilizado pela primeira vez no
século XVI, surgiu sobretudo associado ao ocidental, conhecido como Ijin, pessoa
estranha3. No entanto, os portugueses foram rotulados à semelhança dos indianos
(porque era dessas paragens que vinham), tendo-se aplicado aos holandeses uma
denominação que os aproxima mais do conceito de estranheza que gaijin pressupõe.
A uma denominação distinta, assente numa característica física, correspondeu
um diferente entendimento da sua religião e cultura, ou ranga (rangaku)4. Ao
preencher, após 1640, o vazio deixado pelos portugueses, a Nagasaki holandesa era
substancialmente diferente da portuguesa5. Não se tratava apenas de uma nova
ocupação do espaço, confinados que estavam à pequena ilha artificial de Deshima,
mas de uma vivência outra, indissociável dos objectivos essencialmente comerciais
que os moviam. Por parte da sociedade japonesa, também os interesses eram
diversos, decorridos que estavam cem anos desde a chegada dos europeus. O lucro,
mais do que a curiosidade, agia como elo de ligação. O exótico procurado era-o,
agora, de forma mais consciente e selectiva.
O horizonte geográfico alargado tem correspondência com um contexto
cronológico igualmente amplo que abrange, em parte, o período de união das Coroas
ibéricas: de cerca de 1549, data que marca a introdução documentada da arte
ocidental no Japão, até ao final do século XVII, limite importante nas alterações
ocorridas na Europa e nos seus domínios ultramarinos, não apenas no âmbito das
esferas política e económica, mas sobretudo espirituais e intelectuais.
Do ponto de vista da união das coroas ibéricas, o âmbito asiático no qual ela
se processou continua a ser pouco familiar numa perspectiva integradora, tendo-se
forjado um império cujo sentido último ainda nos escapa: «En realidad, la historia

3 Storry, “Japanese attitudes to the West”. The Glass Curtain Between Asia and Europe. A Symposium
on the Historical Encounters of the Peoples of the East and West. London: Raghavan Iyer; New York;
Toronto: Oxford University Press, 1965.
4 Para uma apreciação da historiografia japonesa sobre o legado ocidental, vide a obra Acceptance of
Western Cultures in Japan from the sixteenth to the mid-nineteenth century. Tokyo: The Centre for
East Asian Cultural Studies, 1964. Para o caso específico da herança holandesa refira-se o artigo
incluído na mesma obra da autoria de Miki, “The Influence of Western Culture on Japanese Art”.
p.146-167, bem como Goodman, The Dutch Impact on Japan (1640-1853). Leiden: E. J. Brill, 1967.
De notar que Goodman, p.4-5, chama precisamente a atenção para o facto de o termo rangaku ter sido
cunhado na década de 1770 para distinguir os estudiosos que tinham um interesse pela cultura
ocidental, dos intérpretes ou tradutores que residiam em Nagasaki.
5 Curvelo, “Nagasaki/Deshima after the Portuguese in Dutch accounts of the 17th century”. Bulletin of
Portuguese-Japanese Studies. Lisboa: Centro de História de Além-Mar / Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Vol. 6, June 2003, p.147-157.
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