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Copyright © 2007 L P Baçan
Pérola — PR — Brasil
Edição do Autor. Autorizadas a reprodução e distribuição gratuita
desde que sejam preservadas as características originais da obra.
Para um homem acostumado a ser livre, a percorrer os territórios no
lombo de seu cavalo, sem se fixar em parte alguma, quinze anos numa prisão fora um castigo
cruel.
Frank Sommer havia passado por essa terrível experiência e, agora, desejava apenas
retornar para junto de sua filha e passar seus últimos dias num rancho junto ao Rio Colorado.
Birddie Nolan, um velho parceiro que, como ele, também cumprira pena, aguardava-o
também. Havia sido o velho bandido que, nos últimos cinco anos, havia tomado conta de Moly
Sommer, a filha do pistoleiro.
Frank Sommer nem sabia como era o rosto da filha nem podia imaginar que tipo de
garota encontraria a sua espera. Nolan, em uma de suas cartas, dissera que a jovem era um
retrato vivo da mão, além de ser corajosa e muito decidida.
Quando fora preso, após uma carreira de crimes que ao tornara procurado em todo o
Oeste, Frank só vira sua filha uma única vez. Guardava dela a recordação de uma garotinha
de cabelos claros, como cabelo de milho e olhos muito azuis.
Ele pensava em tudo isso, enquanto cavalgava no entardecer. Logo teria de acampar, por
isso procurou um lugar adequado.
Faltavam ainda umas cinqüenta milhas para chegar ao seu destino. Os anos todos na
prisão o haviam arruinado fisicamente. Era agora um velho de quase sessenta anos, com
cabelos brancos e a vontade de viver seus últimos dias em paz.
Parou junto a um riacho. Soltou o cavalo para pastar, acendeu a fogueira e preparou
alguma coisa para comer. Havia cavalgado muito naquele dia e o corpo doía terrivelmente.
Queria comer alguma coisa logo e descansar.
Tinha terminado de jantar e preparava um pouco de café, quando os dois estranhos
chegaram. Um deles era alto e magro. O outro era um pouco mais baixo. Ambos portavam
armas em coldres muito baixos, próprios de pistoleiros.
— Noite! — disse o mais alto, sem desmontar, sondando o terreno. — Estivemos
cavalgando todo o dia. Podemos aproveitar a sua fogueira?
— Sim, como não — respondeu ele. — Estava mesmo me sentindo muito só por aqui.
Desmontem, estou fazendo um pouco de café. Se quiserem comer, tenho comida, mas terão
que preparar...
— Não se incomode, bom homem. Aceitaremos seu café, com prazer. Só vamos
descansar um pouco e depois seguir viagem. Meu nome é Samuel Corey e meu parceiro se
chama Slim Patterson.
— Sou Frank Sommer — apresentou-se o velho pistoleiro, sondando-os.
Os dois recém-chegados olharam-se por instantes. Desmontaram, retirando de seus
alforjes canecas de alumínio. Sommer terminou o café e serviu-os. Depois apanhou uma
caneca para ele e foi se encostar no arreio, onde estendera o cobertor de lã de carneiro.
Seu cinturão estava junto à sela. Era o mesmo que usava, quando fora preso. A arma era
um velho Colt, um dos primeiros modelos com cartuchos que foram produzidos.
— É uma arma muito velha essa que tem aí — observou Samuel, olhando para o
pistoleiro.
— Sim, é bem velha mesmo, moço. Deve ter uns trinta anos comigo. Hoje não são mais
usados, mas o cano longo garante uma precisão superior aos Colts de cano curto que se
fazem hoje. Vi um catálogo num jornal, esses dias. Com um cano daqueles um homem
precisaria de sorte paras acertar um celeiro a dez passos...
— Sim, mas há de convir que não é uma arma própria de um pistoleiro. É mais difícil e
demorada para sacar, não — observou Slim.
— De que lhe adianta sacar rápido se não tem precisão? Eu sempre usei esta daqui e
não tenho motivos para reclamar dela. Garantiu-me a vida muitas vezes.
— É, não duvido, moço — disse Samuel.
— Para onde estão indo? — indagou o velho pistoleiro, terminando o café e começando a
enrolar um cigarro.
— Para longe... Vamos voltar para Tucson — respondeu Samuel.
— Voltar? Vieram a negócios, então...
— Sim. Pretendemos concluí-lo hoje à noite e voltar o mais depressa possível...
Enquanto Samuel falava, Slim rodeava o pistoleiro, postando-se de modo a deixá-lo entre
dois fogos. Os anos na prisão não haviam tirado de Sommer os instintos.
Sua experiência alertou-o e ele ficou de olho nos dois, pronto para agir, se fosse
necessário. A arma estava livre no coldre. Bastaria puxá-la e a teria na mão.
— Como podem sair nessa escuridão para tratar de algum negócio? — indagou ele.
— Não vamos longe e a lua cheia deve sair logo...
— Não há nada por perto daqui, moço. Além disso, estamos na lua minguante.
Samuel jogou para trás a aba de seu paletó, descobrindo o Colt. Slim fez o mesmo.
Sommer continuou como estava, memorizando a posição dos dois. Slim continuou se
movendo. Sommer começou a se levantar lentamente.
Sua arma estava ao lado, mas encostada à sela.
— Estavam à minha procura?
— Na verdade, nós o seguimos desde que deixou a prisão territorial...
— E por quê?
— Alguém o quer morto.
— Quem os mandou?
— Bem, nós nunca perguntamos nomes, quando aceitamos um serviço bem pago.
— Quanto valeu para vocês a minha vida?
— Um bom preço: dois mil dólares.
— Puxa, que decadência a minha! Sabiam que um dia já vali vinte e cinco mil, vivo ou
morto?
— Está velho e acabado agora — disse Slim.
— Acha mesmo isso, filho? Durante os últimos quinze aos não peguei numa arma, mas
dizem que certas coisas a gente nunca esquece. Matar é uma delas. Quando você começa,
não pode parar e isso é cada vez mais fácil. Fiquei sem matar quinze anos... Posso estar com
uma vontade louca e fazê-lo agora...
Os dois pistoleiros se olharam.
— É só um velho, agora. Além disso, sua arma esta aí, ao lado da sela. Terá de se
abaixar para apanhá-la. Acho que vou lhe dar esta chance, velho.
— São dois contra um... Acho que é uma boa chance...
— Lamento, velho, não é nada pessoal. Para nós é apenas trabalho — disse Samuel.
Sommer olhou-os mais uma vez, depois abaixou-se para apanhar sua arma. Quando fez
isso, Samuel sacou sua arma com incrível rapidez, disparando. Sommer já havia se abaixado
e a bala a ele endereçada foi atravessar o peito de Slim, atirando-o contra umas pedras.
— Maldito filho da mãe! — berrou Samuel, mas seus olhos se esbugalharam e sua voz
lhe morreu na garganta, quando a bala disparada por Sommer atingiu-lhe a cara, deformando-
a.
Ele rodopiou e caiu quase sobre a fogueira. Slim, ferido no peito, pôs-se de joelhos,
segurando sua arma com as duas mãos e tentando levantá-la para disparar contra Sommer.
O velho ouviu o estalido do gatilho e jogou-se para o lado, disparando contra a testa de
Slim, jogando sua cabeça violentamente para trás.
Um silêncio mortal pairou no acampamento. Sommer começou a trocar os cartuchos
usados de sua arma, olhando os dois homens imóveis, iluminados pelas chamas.
Havia ficado quinze anos na prisão, mas havia gente do lado de fora que não pudera
esquecê-lo.
De repente, um tiro de rifle ecoou na noite que chegava. A bala assobiou a polegadas da
cabeça dele.
Percebeu que havia um terceiro homem ou, talvez, até mais. Estava ou estavam ocultos
em algum ponto próximo dali.
Uma bala assobiou a sua frente, bateu numa pedra e ricocheteou tetricamente, como um
grito de agonia perdendo-se na escuridão. Arizona atirou-se para trás de uma rocha, tentando
localizar seu agressor. Novas balas arrancavam lascas de pedra, sem que ele pudesse
revidar.
Localizou de onde vinham os tiros pelos clarões dos disparos. Mirou naquele ponto e fez
fogo algumas vezes, até que ouviu um grito.
— Peguei-o maldito! — exclamou ele, com satisfação, respirando aliviado.
Percebeu que poderia correr e ir abrigar-se atrás de um tronco e, dali, aproximar-se mais
do atirador. Quando se levantou para correr, ouviu nitidamente o galope de um cavalo
afastando-se rapidamente.
— Como acha que ele pode estar agora, Nolan? — indagou Moly, sentada à mesa.
O velho bandido apanhou um graveto no fogão e acendeu o cigarro com ele. Deu
algumas baforadas, depois cuspiu nas chamas que crepitavam.
— Envelhecido, com certeza — ponderou.
— Eu não queria saber isso, Nolan. Quero saber quanto às idéias dele agora...
— A prisão muda muito um homem, Moly. Tanto pode tirar-lhe toda a vontade de
continuar lutando como pode transformá-lo num inconformado.
— Você que o conheceu bem, o que acha?
— Acho que Frank cansou de lutar. Não lhe tiraram a vontade, que fique bem claro. Ele
apenas se cansou de lutar.
— Eu não consigo entender como um homem como ele pôde dedicar toda a sua vida ao
crime, cometendo roubos e assassinatos — disse ela e havia um tom de revolta em sua voz.
— A vida há quarenta anos atrás era dura, querida.
— Outros passaram por isso, mas não se dedicaram ao crime, Nolan.
— Esses tiveram a sorte de não participar daquela maldita guerra civil. Foi uma praga
para nós do Sul. Perdemos nossos lares, nossas terras e ficamos sem nada. Nem o nosso
orgulho os ianques deixaram. Sem nada disso, sem trabalho e sem dinheiro, ou morríamos de
fome ou roubávamos deles — disse o velho, com um tom amargo.
Moly percebeu que sua pergunta sensibilizara-o.
— Desculpe-me, Nolan! Não quis magoá-lo — disse ela, indo abraçá-lo.
— Está tudo bem, querida. Tudo passou agora. Agora temos este rancho e poderemos
viver nele o resto de nossos dias, sem nos preocuparmos com aqueles tempos violentos que
passaram.
— Espero sinceramente que meu pai pense da mesma forma, Nolan.
— Pode ter certeza que sim. O que ele desejará de agora para frente é um lar para onde
voltar no fim do dia, comida quente, roupa limpa e uma cama macia.
— Vamos esperá-lo do outro lado do rio? — propôs ela.
— Sim, eu não perderia isso por nada. Deverá estar chegando aqui por volta do meio-dia.
— Como sabe?
— Também fiz esse caminho, Moly. Lembra-se?
Ela foi apanhar o bule de café e derramar mais um pouco na caneca que ele tomava.
Nolan enrolava pacientemente um cigarro. Moly se sentou diante dele.
— Você e meu pai sempre foram bons amigos, não?
— Como unha e carne. Quando ele foi preso, não vi motivos para continuar sem ele, por
isso me entreguei. Isso me garantiu cinco anos a menos na pena.
— O que foi ótimo para mim. Eu não conseguiria tocar sozinha este rancho, Nolan.
— Bobagem! Vá dormir agora. Vou fumar um cigarro e depois farei o mesmo. Amanhã
será um dia importante para nós.
Moly sorriu, concordando. A volta do pai a deixava impaciente e inquieta. Não sabia como
era ele. Não sabia como tratá-lo. Nem se lembrava da última vez que o vira. Aos dezoito anos,
Moly tinha a sensação de que nunca tivera um pai, já que ele sempre esteve ausente, fugindo
como um animal selvagem.
No dia seguinte, a garota estava mais excitada que na noite anterior. Logo pela manhã,
após fazer todas as suas obrigações de casa, foi preparar o quarto dele.
Sobre um móvel ela deixou uma foto de sua mãe. Ambas eram realmente muito
parecidas. Ficou pensativa, tentando se acalmar e imaginar o homem que estava a caminho,
mas não conseguia.
Só queria que ele fosse como Nolan o havia descrito centenas de vezes, ao longo
daqueles cinco últimos anos.
Mais tarde, ela e Nolan cavalgaram até o outro lado do rio para esperá-lo. Como o velho
havia previsto, pouco depois do meio-dia avistaram uma figura solitária que cavalgava na
direção deles.
— É ele — afirmou Nolan.
— Como sabe?
— Só ele cavalgava daquela foram, com o corpo ligeiramente pendido para o lado
esquerdo da sela.
— Verdade? E por que isso?
— Um velho hábito dele. Dizia que assim a arma estava sempre pronta para ser sacada.
— E era verdade?
— Sim, funcionava...
— Por que nunca me ensinou isso?
— Esses truque de pistoleiros, pequenos detalhes que se tornam significativos nos
momentos certos, é coisa de gente que mata gente, Moly. Eu jamais desejaria que você
aprendesse isso, entendeu? Isso fez parte da minha vida, mas eu gostaria de esquecer tudo
agora.
Sommer os vira de longe e esporeara seu cavalo. Quando se aproximou, ficou olhando
maravilhado para o rosto da filha, parecidíssima com sua finada esposa.
— Frank, seu coiote velho! — disse Nolan, estendendo-lhe a mão, que o pistoleiro
apertou com força.
— Nolan, seu bode velho! — respondeu ele, sem desviar os olhos da filha.
Seus olhos que em outros tempos foram frios e cruéis encheram-se de lágrimas. Ele
desmontou e se aproximou dela.
— Meu Deus! Você é mesmo o retrato vivo de sua mãe...
— Mas tem os seus olhos, Sommer — observou Nolan.
— Seja benvindo, papai — falou ela, abrindo os braços e vencendo a distância que os
separava.
O abraço entre pai e filha foi longo e afetuoso. Sommer não pôde conter as lágrimas nem
a jovem. Ficaram ali por algum tempo, sob o olhar emocionado do velho bandido.
— Você é linda, filha... Linda mesmo — murmurou ele, afastando-se um passo para olhá-
la com adoração.
— Ei, não vamos ficar nos torrando aqui no sol. Vamos para o rancho, Nolan. Tenho uma
garrafa de uísque que comprei no caminho há cinco anos. Guardei-a para tomá-la junto com
você.
— Pois eu também pensei o mesmo — afirmou Sommer, retirando de seu alforje uma
garrafa de uísque e atirando-a para o velho amigo.
— Eu não sabia que você bebia uísque, Nolan — observou Moly.
— Há quinze anos não bebo uma gota, deixando a minha sede aumentar. Se meu velho
parceiro, lá na prisão, não podia beber, eu, aqui fora, também não beberia.
— Continua sendo o mesmo velho sentimental, Nolan — disse Sommer, voltando a
abraçar o amigo.
Cavalgaram de volta para o rancho.
— Como eu valorizo hoje a liberdade, Nolan — comentou Sommer, quando atravessavam
o rio.
— Há muitas outras coisas que também vai aprender a valorizar, meu amigo. Temos o
nosso pequeno rancho. Não vamos ficar ricos com ele, mas tiraremos dele todo o necessário
para vivermos decentemente.
— Sim, vamos ver se conseguimos deixar o passado para trás — disse o velho pistoleiro
e, num gesto mecânico, virou-se na sela para olhar para trás.
— Tomara que o passado nos deixe em paz, Sommer — ajuntou ele.
— Só teremos que nos preocupar agora com o futuro — afirmou Moly, sorrindo feliz.
Bill Harding examinou suas cartas. Era sua vez de trocar. Pensou um
pouco nas suas chances e pediu mais duas. Juntou suas cartas sobre a mesa, depois abriu-as
lentamente. Tinha dois pares, o bastante para jogar alto.
— Aposto vinte — disse ele, empurrando as fichas para o centro da mesa.
— Eu passo — desistiu o jogador seguinte.
— Seus vinte e mais vinte — falou, no entanto, o terceiro jogador.
Bill sorriu, enquanto olhava o outro nos olhos, tentando captar algum sinal de blefe.
Voltou a examinar suas cartas. Tinha dois pares e isso, naquele tipo de jogo, era uma boa
mão. Poderia perder para uma trinca, mas era muito improvável que saísse uma.
— Seus vinte e mais cinqüenta — falou, empurrando as fichas para junto das outras.
O outro jogador pensou, olhando para Bill.
— Seus cinqüenta e mais duzentos para ver — falou ele, inesperadamente.
Bill sentiu amargo o uísque que bebia.