Table Of ContentCelso Castro
Textos Básicos de Sociologia
Sumário
Apresentação
1. Marx, Engels e a crítica do capitalismo
A ideologia alemã
O caráter fetichista da mercadoria e seu segredo
Questões e temas para discussão
Leituras sugeridas
2. Durkheim e o nascimento da sociologia como
disciplina
científica
O estudo dos fatos sociais e o método da sociologia
Questões e temas para discussão
Leituras sugeridas
3. Simmel e a interação social
O âmbito da sociologia
Questões e temas para discussão
Leituras sugeridas
4. Weber, Schutz e a sociologia como ciência da
compreensão
Sociologia interpretativa
Os tipos ideais
Os três tipos puros de dominação legítima
Questões e temas para discussão
Leituras sugeridas
5. A gênese da sociedade ocidental moderna segundo
Elias
O processo civilizador: o desenvolvimento do conceito de
civilité
Questões e temas para discussão
Leituras sugeridas
6. Indivíduo, pessoa e biografia: a sociologia da vida
cotidiana,
por Erving Goffman
Biografia e identidade social
Questões e temas para discussão
Leituras sugeridas
7. Regras sociais e comportamentos desviantes: a
sociologia
do desvio, por Howard S. Becker
Outsiders
Questões e temas para discussão
Leituras sugeridas
8. A sociologia do campo político, por Pierre Bourdieu
O campo político
Questões e temas para discussão
Leituras sugeridas
9. A transformação das pessoas em mercadoria, por
Zygmunt
Bauman
O segredo mais bem-guardado da sociedade de
consumidores
Questões e temas para discussão
Leituras sugeridas
10. Da sociologia como um artesanato intelectual,
por C. Wright
Mills
Sobre o artesanato intelectual
Questões e temas para discussão
Leituras sugeridas
11. A pesquisa de campo em sociologia: a observação
participante de William Foote Whyte
Sociedade de esquina: a prática da pesquisa
Questões e temas para discussão
Leituras sugeridas
Referências dos textos e traduções
APRESENTAÇÃO
Este livro reúne um conjunto de autores e textos
importantes da tradição sociológica. Juntos, eles fornecem
uma visão abrangente de algumas das principais questões
com as quais a sociologia tem lidado. Como qualquer
seleção, contudo, é parcial e está sujeita a opções que devo
claramente explicitar.
Primeiro, busquei selecionar textos originais dos autores
escolhidos, e não textos de comentadores ou sínteses de
segunda mão. Privilegiou-se, assim, o contato direto com o
pensamento desses autores. Isso não desmerece, de forma
alguma, toda a discussão e crítica a que esses autores e
textos foram submetidos por inúmeros leitores desde sua
publicação original.
Privilegiei também um conjunto de autores considerados
“clássicos”. Eles assumiram essa condição não apenas em
função da qualidade intrínseca de suas obras, mas também
pelo fato de terem se tornado referência obrigatória para a
sociologia.
Não há, é claro, uma lista consensual de quais seriam os
“clássicos”. Marx, Durkheim e Weber tornaram-se, de certa
forma, autores canônicos do pensamento sociológico, mas,
para além deles, a lista perde em consenso. Todos os que
estão aqui reunidos, no entanto, nos legaram sem dúvida
contribuições importantes. A escolha final, de qualquer
forma, é de minha inteira responsabilidade.
Também não busquei selecionar o texto “mais importante”
de cada um, até porque não haveria unanimidade a respeito
de qual seria. Tive como objetivo reunir um conjunto que
oferecesse uma visão geral sobre a perspectiva do cientista
social em relação à
sociedade que ele busca analisar, porém da qual, ao mesmo
tempo, faz parte.
Evitei dividir o livro em diferentes “escolas” de pensamento,
por mais que vários dos autores possam ser rotulados de tal
ou qual forma. Mais do que conhecer a história do
pensamento sociológico, espera-se que esta leitura estimule
a reflexão crítica e desnaturalizadora a respeito de aspectos
fundamentais do mundo em que vivemos. O contato com os
textos deve levar também ao desenvolvimento da
sensibilidade para perceber a diversidade das formas da
vida social, tanto em sua dimensão histórica quanto
cultural.
O livro está estruturado da seguinte forma. No início de
cada capítulo, faço uma breve apresentação da vida e da
obra do autor e comento os principais temas levantados
pelo texto que será lido. Ao final, indico questões e temas
para discussão a partir de sua leitura, sugerindo ainda
alguma bibliografia adicional.
Este livro e seus textos são, sem dúvida, informativos; mas
pretendo, também, que eles sejam formativos – isto é, que
ajudem a desenvolver o gosto pela perspectiva sociológica
e por aquilo que ela tem a nos oferecer.
CELSO CASTRO
1. Marx, Engels e a crítica do
capitalismo
Aobra dos alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels
(1820-1895) constituiu-se como a principal crítica já feita ao
capitalismo e à sociedade que surgiu a partir de sua
dominação. A influência intelectual desses autores, nascida
do entrecruzamento entre a tradição filosófica, a economia
política clássica e o ativismo político, foi decisiva para várias
disciplinas. Indo além do âmbito do pensamento, tornou-se
inspiração e bandeira para a atuação política de muitos
grupos socialistas e comunistas.
Marx e Engels não se definiram como sociólogos – até
porque, à época em que produziram o essencial de suas
obras, a sociologia como disciplina ainda não havia se
institucionalizado. Isto é, ainda não haviam sido criados os
primeiros cursos e departamentos universitários,
associações e revistas com esse rótulo. Eles estão, no
entanto, presentes em qualquer história do pensamento
sociológico pela visão crítica que desenvolveram da
sociedade em que viveram e pelo impacto que tiveram em
inúmeros sociólogos que se seguiram.
O primeiro dos dois textos selecionados é um extrato de A
ideologia alemã, escrito por Marx e Engels em 1845, porém
não publicado em função da conjuntura política adversa da
época (a primeira publicação surgiria apenas em 1932).
Nele já aparecem as principais noções da concepção
materialista da história desenvolvida por Marx e Engels. O
pano de fundo era a crítica aos
“jovens hegelianos”, filósofos como David Friedrich Strauss,
Max Stirner, Bruno Bauer e Ludwig Feuerbach.
O denominador comum a esses filósofos seria, para Marx e
Engels, o fato de terem se restringido ao terreno das
representações religiosas, deixando em segundo plano
outros tipos de representação – políticas, morais etc. Ao
fazerem isso, teriam não apenas deixado de analisar a
interconexão da filosofia alemã com a realidade efetiva
alemã, como também falhado em perceber a interconexão
de seu pensamento com sua própria circunstância material.
Marx e Engels acreditam que os seres humanos, tão logo
começaram a produzir seus meios materiais de vida (o que
os distingue dos animais), tornaram-se dependentes das
condições materiais dessa produção. Essa concepção
materialista da história humana permitiria compreender
como as relações dos indivíduos entre si e suas formas de
propriedade se alteraram à medida que foram se
desenvolvendo forças produtivas novas e mais poderosas.
Teríamos, assim, uma interconexão da estrutura social e
política com o modo de produção. As ideias e
representações estariam, para Marx e Engels, entrelaçadas
na atividade e no intercâmbio material do homem, e seriam
por elas determinadas. Daí a definição de ideologia de Marx
e Engels como representação invertida da realidade: nela
“os homens e suas relações nos aparecem de cabeça para
baixo como em uma câmera escura”. a
Para além de um instrumento de conhecimento da
realidade, a percepção do verdadeiro caráter de dominação
da ideologia deveria levar também à sua superação. Em
1845, escrevendo contra Feuerbach, Marx afirmou: “Os
filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente,
cabe transformá-lo.”
O segundo texto, sobre o caráter fetichista da mercadoria,
foi extraído do primeiro livro de O capital (1867), a obra
mais importante de Marx. Nessa passagem, ele trata da
aparência de autonomia que as coisas assumem na
economia capitalista. A ideia religiosa de “fetiche” – objeto
ao qual se atribuem poderes sobrenaturais e se presta culto
– serve de metáfora para a análise da mercadoria no modo
de produção capitalista.
A ilusão da mercadoria consistiria em fazer desaparecer as
relações sociais de produção objetivas, que ressurgiriam
como
mercadorias autônomas que são adquiridas por
consumidores “a-históricos”. Desse modo, as relações de
produção dissolvem-se em relações de mercado, e as coisas
parecem possuir as qualidades daqueles que realmente as
produziram, passando a exercer um fascínio e dominação
sobre eles. Na interpretação de Marx, essa inversão do
sujeito em objeto que ocorre em uma “economia de
mercado” deve-se à alienação resultante da separação dos
produtores em relação aos frutos de seu trabalho.
A IDEOLOGIA ALEMÃ
Karl Marx e Friedrich Engels
Até agora, os homens sempre tiveram ideias falsas a
respeito de si mesmos, daquilo que são ou deveriam ser.
Organizaram suas relações em função das representações
que faziam de Deus, do homem normal etc.
Esses produtos de seu cérebro cresceram a ponto de
dominá-los completamente. Criadores inclinaram-se diante
de suas próprias criações.