Table Of ContentTerras Indígenas Unidades de Conservação
&
da natureza
o desafio das sobreposições
organização
Fany Ricardo
novembro, 2004
Terras Indígenas & Unidades de Conservação O Instituto Socioambiental (ISA) é uma as-
sociação sem fins lucrativos, qualificada como
da natureza – o desafio das sobreposições
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
Instituto Socioambiental, novembro de 2004 (Oscip), fundada em 22 de abril de 1994 por pessoas
com formação e experiência marcante na luta por
OrganizaçãO: Fany Ricardo direitos sociais e ambientais. Tem como objetivo defender bens
EditOras: Fany Ricardo e Valéria Macedo e direitos sociais, coletivos e difusos, relativos ao meio ambiente,
ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos. O
EquipE dE EditOrEs adjuntOs: Cintia Nigro, Cristina Velásquez,
ISA produz estudos e pesquisas, implanta projetos e programas
Fernando L. B. Vianna e Marcos Rufino
que promovam a sustentabilidade socioambiental, valorizando
CartOgrafia: Laboratório de Geoprocessamento/ISA (coordenação: a diversidade cultural e biológica do país.
Alicia Rolla)
Para saber mais sobre o ISA consulte: www.
Capa: Beto Ricardo e Vera Feitosa
socioambiental.org
fOtO da Capa: Vista aérea da aldeia Demini, TI Yanomami, AM. Foto
cedida pelo autor: Valdir Cruz Conselho Diretor: Neide Esterci (presidente), Enrique Svirsky
(vice-presidente), Beto Ricardo, Carlos Frederico Marés,
prOjEtO gráfiCO: Vera Feitosa
Laymert Garcia dos Santos, Márcio Santilli, Nilto Tatto, Sérgio
EdiçãO dE imagEns: Valéria Macedo Leitão, Sérgio Mauro [Sema] Santos Filho.
EditOraçãO: Vera Feitosa e Ana Cristina Silveira Diretor executivo: Sérgio Leitão
rEvisãO: Eugênio Vinci Diretor executivo adjunto: Nilto Tatto
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Aparecido Tavares, Eduardo Utima , Diego Queirolo, Uirá Felippe
Galvão, Beto Ricardo, Fany Ricardo, Márcio Santilli, Maria
Garcia, Leila Maria Monteiro, Ângela Galvão, Cícero Cardoso
Inês Zanchetta, Maria Isabel Pedott, Marina Kahn, Marussia
Augusto, Fernando F. Paternost, Rosimeire Rurico Sacó, Marta
Whately, Nilto Tatto e Rodolfo Marincek.
Azevedo, Luiz Santos, Pedro Fittipaldi, Neide Esterci, Marina Kahn,
Apoio institucional:
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agradECimEntO pEla CEssãO dE imagEns: Roberto Linsker, Araquém Desenvolvimento
Alcântara, Maria Inês Ladeira, Fausto Pires, Miriam Prochnow, NCA – Ajuda de Igreja da Noruega
Cloude Correia de Souza, Tibério Alloggio, Patrícia de Mendonça
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Agência Norueguesa de Cooperação
para o Desenvolvimento
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Nosso agradecimento especial a todos os autores desta publicação e Terras Indígenas & Unidades de Conservação da
a todos os membros do ISA que, direta ou indiretamente, contribuíram natureza : o desafio das sobreposições /
para sua realização. Agradecemos ainda a Adriana Calabi, Adriano organização Fany Ricardo. -- São Paulo : Instituto
Jerozolimski (Pingo), Ana Cinardi (Fatma), Analucia Hartmann, Socioambiental, 2004.
Antonio José D. Molina Daloia, Associação de Defesa Etnoambiental
ISBN 85-85994-31-2
– Kanindé, Associação Flora Brasil, Cláudio Paiva, Daniel Cohenca,
Diogo Queirolo, Fernando Fernandez, Fiona Watson, Flávio Wiik,
Florencia Ferrari, Jennifer Tierney, Jo de Oliveira (CCPY), Kimyie
1. Áreas de conservação de recursos naturais
Tomasino, Luzinalva Leite, Marc J. Dourojeanni, Marcelo Piedrafita, 2. Índios na América do Sul - Brasil 3. Meio ambiente I.
Maria Rosário Gonçalves de Carvalho, Marina Fonseca, Mauro Ricardo, Fany.
Almeida, Milene Maia, Patrícia Mesquita, Paulo Cordeiro, Paulo
Kageyama, Paulo Nogueira Neto, Rogério do Pateo, Rui Murietta,
Silvio Coelho dos Santos, Vânia Fialho, Viviane Gonçalves, Wallace
04-7757 CDD-980.3
de Deus Barboza, Wigold Bertoldo Schaffer.
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Terras Indígenas : Conservação da natureza
980.3
Sumário
Apresentação Fany Ricardo e Valéria Macedo .........................................................................................................7
A cilada corporativa Márcio Santilli .....................................................................................................................11
boxe: Reserva Indígena de Recursos Naturais ........................................................................................15
boxe: O GT do Conama: aquele que foi sem nunca ter sido Adriana Ramos ..............................................16
Superposição de leis e vontades – Por que não se resolve o conflito entre Terras Indígenas
e Unidades de Conservação? Sérgio Leitão ...............................................................................................17
boxe: A lei de crimes ambientais se aplica aos índios? Juliana Santilli .......................................................24
Terras Indígenas no Brasil: retrospectiva, avanços e desafios do processo de
reconhecimento Ana Valéria Araújo ..............................................................................................................26
Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades? Dominique T. Gallois .................................................................37
Povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais: a construção de novas
categorias jurídicas Juliana Santilli ..............................................................................................................42
Reivindicações indígenas na Conferência Nacional do Meio Ambiente Escrawen Sompré ...............................50
Notas para uma história social das áreas de proteção integral no Brasil Henyo Trindade Barretto Filho ..............53
boxe: O movimento ambientalista no Brasil – evolução histórica e o desafio do
equilíbrio socioambiental Rachel Biderman Furriela ........................................................................................64
Terras Indígenas: as primeiras Unidades de Conservação Nurit Bensusan ......................................................66
boxe: Termo de referência para a formulação de um programa de proteção à biodiversidade
e de apoio ao uso sustentável de recursos naturais em Terras Indígenas ...............................................73
boxe: Política nacional de biodiversidade: o componente intangível e a implementação
do artigo 8(j) da Convenção da Diversidade Biológica Juliana Santilli ........................................................76
Populações tradicionais em áreas protegidas Aurélio Virgílio Veiga Rios .............................................................78
Conservação e valores – Relações entre áreas protegidas e indígenas: possíveis conflitos
e soluções Cláudio C. Maretti .......................................................................................................................85
boxe: Princípios da UICN e do WWF sobre áreas protegidas e
povos indígenas e outros grupos sociais “tradicionais” ............................................................................99
Apontamentos sobre a biologia da conservação Maria Cecília Wey de Brito .....................................................102
Entrevista: Maria Tereza Jorge Pádua ..........................................................................................................107
Arpa indígena: a peça que falta David Cleary ................................................................................................114
Gestão e manejo em Terras Indígenas André Villas-Bôas ................................................................................119
boxe: Histórico da ocupação do entorno do Xingu Ricardo Barretto ...........................................................122
Povos indígenas e “desenvolvimento sustentável” Beto Ricardo ....................................................................123
Sustentabilidade socioambiental de arumã no Alto Rio Negro Glenn H. Shepard Jr.,
Maria Nazareth F. da Silva, Armindo Feliciano Brazão e Pieter van der Veld ..............................................................129
Arte Baniwa e manejo do arumã André Fernando Baniwa .................................................................................144
Matrizes de desenvolvimento na Amazônia – História e contemporaneidade Philippe Lená ..........................146
O que saiu na imprensa ................................................................................................................................153
MATA ATLÂNTICA
Um pouco sobre a Mata Atlântica João Paulo R. Capobianco ............................................................................159
Os Pataxó e o Monte Pascoal
Razão indigenista e razão conservacionista desafiadas no sul da
Bahia Fernando (Fedola) L. B. Vianna ............................................................................................................163
boxe: Termo de acordo entre as comunidades pataxó do entorno do PNMP e o governo
da República Federativa do Brasil ..........................................................................................................168
Políticas oficiais de conservação ambiental: nova modalidade de subordinação
dos índios? Sheila Brasileiro .......................................................................................................................169
Respeitar a vida e o ser humano: a preservação do meio ambiente com e pelos índios
evita a definitiva condenação da biodiversidade Jean-François Timmers ....................................................174
boxe: Projeto Monte Pascoal: síntese e resultados ................................................................................187
Depoimento: Críticas e apoios ao Plano de Gestão Compartilhada .............................................................188
Atividades econômicas dos Pataxó de Barra Velha Felipe Bannitz de Paula Machado ........................................192
A importância das Unidades de Conservação de Proteção Integral e as comunidades
Pataxó no extremo-sul da Bahia Paulo Cezar Mendes Ramos .....................................................................197
Monte Pascoal: proteger a Mata Atlântica e melhorar a qualidade de vida
dos Pataxó Renato Paes da Cunha e Maíza Ferreira de Andrade .......................................................................203
O que saiu na imprensa ................................................................................................................................206
Os Guarani e a Mata Atlântica
Os males da terra Valéria Macedo....................................................................................................................219
boxe: Os Guarani na Juréia Rosely Alvim Sanches .....................................................................................224
boxe: Ocupação indígena no PES Xixová-Japuí (em São Vicente - SP)................................................225
A atuação da Funai no processo de regularização das terras dos
Guarani Mbyá Carlos Alexandre B. Plínio dos Santos ......................................................................................227
Terras Indígenas e Unidades de Conservação na Mata
Atlântica: áreas protegidas? Maria Inês Ladeira .........................................................................................233
O impacto dos Guarani sobre Unidades de Conservação em
São Paulo Fábio Olmos, Christine Steiner São Bernardo e Mauro Galetti .............................................................246
Depoimento: Adolfo Timótio Verá Mirim, cacique da aldeia Ribeirão Silveira ...............................................262
Entrevista: Marcos Campolim, diretor do PES Ilha do Cardoso (SP) ...........................................................264
Entrevista: Ezequiel de Oliveira, comunidade do Marujá ..............................................................................268
Guarani e UCs da Mata Atlântica: conflito latente – O caso do Parque Estadual da
Serra do Mar (SP) Lucila Pinsard Vianna e Maria Cecília Wey de Brito ..............................................................270
Os Mbyá no Distrito de Parelheiros (SP) Carlos Alexandre B. Plínio dos Santos...................................................282
Ampliação das Terras Indígenas em Parelheiros (SP) Domingos Leôncio Pereira e
Luiz Roberto de Campos Jacintho ....................................................................................................................287
Os Guarani da Terra Indígena Peguaoty e o Parque Intervales (SP) Deborah Stucchi ....................................289
Os Guarani em Intervales: incompatibilidade e insustentabilidade Antonia Pereira de Ávila Vio ........................292
Implicações ambientais da ocupação indígena no Parque Estadual da
Serra do Tabuleiro (SC) Shirley Noely Hauff ...............................................................................................295
Os Guarani e o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (SC): gestão integrada
para a etnoconservação Maria Dorothea Post Darella, Ângela Maria de Moraes Bertho e Aldo Litaiff ......................298
Práticas agrícolas e manejo do ambiente entre os Guarani Mbyá Adriana Perez Felipim .................................303
Iniciativas guarani no manejo de seu futuro Maurício Fonseca ........................................................................310
Direitos dos índios ou Direitos da Natureza: um debate acerca
de Direitos Humanos Raul Silva Telles do Valle ........................................................................................... 314
O que saiu na imprensa ................................................................................................................................321
Os Xokleng e o Alto Vale do Itajaí
Para além das correrias: desafio socioambiental no Alto Vale do Itajaí Cintia Nigro ......................................333
Os Xokleng e a questão ambiental – O caso da sobreposição entre a TI Ibirama
La Klãnõ e as UCs Arie Serra da Abelha e Rebio do Sassafrás Walmir da Silva Pereira ..................................337
boxe: Lideranças xokleng se comprometem a conservar área da TI incidente nas UCs .......................346
Entrevista: Miriam Prochnow, presidente da Apremavi .................................................................................347
boxe: Carta da Apremavi ao presidente da Funai contestando formalmente a ampliação da TI ............352
O que saiu na imprensa ................................................................................................................................353
AMAZÔNIA LEGAL
Um pouco sobre a Amazônia Legal André Lima .............................................................................................359
Comunidades indígenas no noroeste do Amazonas e oeste de Roraima
Muitas “providências”, poucas soluções Fany Ricardo e Geraldo Andrello ...........................................................363
À sombra do Pico da Neblina Maria Inês Smiljanic ...........................................................................................368
Florestas na TI Yanomami – um cavalo de Tróia ambiental? Bruce Albert e François-Michel
Le Torneau ..................................................................................................................................................372
Os Yanomami e a terra-floresta Bruce Albert ..................................................................................................384
“Cabeça do Cachorro” é “área cultural” de povos indígenas Aloisio Cabalzar e Beto Ricardo .............................386
Uma Terra Indígena, um Parque Nacional, uma Reserva Biológica e uma grande
quantidade de minério Eliane da Silva Souza Pequeno .................................................................................390
boxe: O Morro dos Seis Lagos ..............................................................................................................394
boxe: Terra Indígena Balaio é questionada por funcionário do Parque
Nacional do Pico da Neblina ...................................................................................................................395
Em busca da gestão socioambiental do Alto Rio Negro Fernando Mathias Baptista ..........................................397
Depoimento: Álvaro Tukano, liderança indígena da TI Balaio ......................................................................402
O que saiu na imprensa ................................................................................................................................405
Os Ingarikó e o Monte Roraima
O fio da meada Marcos Pereira Rufino ..............................................................................................................417
boxe: Os índios e a fronteira Márcio Santilli ...............................................................................................421
Parque Nacional? Kaané! Os índios dizem não à implementação do Parque Nacional
do Monte Roraima Vincenzo Lauriola .........................................................................................................422
Manejo sustentável no Parna do Monte Roraima e na
TI Raposa/Serra do Sol Fernando Paiva Scardua ........................................................................................432
O que saiu na imprensa ................................................................................................................................436
Os Nawa e Nukini na Serra do Divisor
A Serra do Divisor e o problema das divisões Cristina Velásquez e Uirá Felippe Garcia ........................................445
O Parque Nacional da Serra do Divisor e as Terras Indígenas Nawa e
Nukini Cloude de Souza Correia ...................................................................................................................449
Notas sobre o Parque Nacional da Serra do Divisor David Cleary ..................................................................454
O Conselho Consultivo do Parque Nacional da Serra do Divisor: espaço público e
espaços territoriais protegidos Eduardo Vieira Barnes .................................................................................457
Entrevista: Equipe do Pesacre ......................................................................................................................464
O que saiu na imprensa ................................................................................................................................467
Os Karajá e a Ilha do Bananal
Uma Ilha em pedaços Valéria Macedo .............................................................................................................477
boxe: Riquezas naturais da Ilha do Bananal Maria Tereza Jorge de Pádua ..................................................479
boxe: Notas sobre os Karajá e Javaé Patrícia de Mendonça Rodrigues ........................................................480
Terras Indígenas e o Parque Nacional do Araguaia André Amaral de Toral .......................................................482
Depoimento: Idjarruri Karajá .........................................................................................................................486
Entrevista: Equipe do Parque Nacional do Araguaia ....................................................................................488
Sobreposições de territorialidades e diálogos interétnicos na Ilha do Bananal Ney José Brito Maciel ..............494
Entrevista: Darci Maurerri Javaé, presidente do Conjaba .............................................................................498
Entrevista: Equipe do Projeto Quelônios na Ilha do Bananal ........................................................................499
O que saiu na imprensa ................................................................................................................................501
Os Uru-Eu-Wau-Wau e a Serra dos Pacaás Novos
Para além do espaço intocado Marcos Pereira Rufino ......................................................................................511
boxe: Os primeiros contatos dos Uru-Eu-Wau-Wau e a história de criação de sua terra .......................515
Os Uru-Eu-Wau-Wau e a defesa do território Ivaneide Bandeira Cardozo ..........................................................516
boxe: Um enclave chamado Burareiro ....................................................................................................519
boxe: Cronologia dos conflitos ................................................................................................................520
As riquezas naturais na Terra Uru-Eu-Wau-Wau e no Parque
de Pacaás Novos Eloiza Elena Della Justina do Nascimento, Maria Madalena Ferreira .........................................523
A oportunidade da sobreposição: propostas, alternativas e lições Thiago do Val Simardi Beraldo Souza ............528
O que saiu na imprensa ................................................................................................................................530
Comunidades indígenas em Mamirauá
Mamirauá: construindo possibilidades sustentáveis Cristina Velásquez ...........................................................539
As sobreposições em Mamirauá e a necessidade de um novo pacto
institucional Deborah de Magalhães Lima ......................................................................................................540
A pesquisa científica em Mamirauá: instrumento de consolidação do manejo
participativo e da conservação da biodiversidade Helder Lima de Queiroz .................................................542
Terra Indígena Porto Praia: alternativa de posse de território e resistência
à ordem socioambiental na RDS Mamirauá Marise Reis ..........................................................................549
Participação indígena e preservação ambiental no Médio Solimões Priscila Faulhaber ...................................554
Princípios e processos na implantação do manejo florestal comunitário
na RDS Mamirauá Andrea Pires ................................................................................................................558
O que saiu na imprensa ................................................................................................................................564
Comunidades indígenas no Tapajós
Produtividade florestal, gestão compartilhada e sustentabilidade ambiental em uma Flona:
é possível? Cristina Velásquez ....................................................................................................................569
As comunidades Munduruku na Flona do Tapajós Florêncio Almeida Vaz Filho .................................................571
Conflito fundiário na Floresta Nacional do Tapajós Ângelo de Lima Francisco ...................................................575
Trinta anos da Flona do Tapajós: avanços e retrocessos na integração entre
conservação ambiental e participação social Tibério Alloggio ....................................................................578
boxe: Histórico da Flona do Tapajós .......................................................................................................586
O que saiu na imprensa ................................................................................................................................587
Mapas das sobreposições, cômputos e listagens das Terras Indígenas e Unidades de Conservação
federais e estaduais no Brasil ......................................................................................................................589
Siglário ..........................................................................................................................................................687
6 Terras indígenas e Unidades de Conservação da naTUreza
A
preseNtAção
Fany Ricardo*
Valéria Macedo**
No contexto atual, é possível identificar a relevância itinerário, que não vai ao encontro de prognósticos cer-
crescente de pautas ambientais e a legitimação de um teiros, tampouco fórmulas generalizáveis. Antes, busca a
mundo pluriétnico em políticas públicas, na destinação de compreensão dessa problemática por meio de abordagens
recursos e nas legislações de Estados Nacionais e fóruns históricas, jurídicas, antropológicas, políticas, econômicas
internacionais. O reconhecimento de direitos territoriais, e ecológicas relativas a TIs e UCs, que integram a primeira
políticos e sociais aos povos nativos vem ocorrendo paula- parte do livro.
tinamente, com o desmantelamento dos sistemas coloniais Na segunda parte, composta por capítulos agrupados
a partir das últimas décadas do século XX e, na América nos segmentos “Amazônia” e “Mata Atlântica”, a intenção
Latina, com o crescimento de movimentos de resistência foi fazer o mapeamento dos casos mais emblemáticos de
às ditaduras e a implementação de regimes democráticos. sobreposições entre TIs e UCs incidentes no Brasil, por
A ECO 92 (Conferência das Nações Unidas sobre meio de uma abordagem múltipla, em que representantes
Meio Ambiente e Desenvolvimento, sediada no Rio de dos principais grupos de interesse expressam suas ver-
Janeiro) pode ser considerada como um divisor de águas sões dos conflitos, de modo que o leitor possa conhecer
no que diz respeito à abordagens de questões ambientais as motivações que mobilizam os diferentes agentes envol-
e sociais de forma integrada, que configura a síntese do vidos no contexto em questão. Ao final de cada capítulo,
paradigma socioambiental. Pode também ser identificada há ainda uma edição de trechos do que foi publicado na
(1)
como um marco de emergência da biodiversidade como imprensa a respeito do caso.
categoria-chave na contemporaneidade, como aponta a Por fim, na última parte do livro encontram-se os mapas
geógrafa Bertha Becker, em grande medida pela crescente de todos os casos de sobreposição entre TIs e UCs no
degradação e escassez de bens primordiais à vida do país, bem como listagens de todas as Terras Indígenas
planeta, tais como a água (que vem sendo chamada de o e Unidades de Conservação (federais e estaduais) em
“ouro azul” do século XXI) e o ar (associado ao problema terras públicas brasileiras. Esse conjunto de informações
das mudanças climáticas devido às emissões de carbono resulta de um trabalho que vem sendo realizado há cerca
e desmatamentos decorrentes do modelo industrial de de duas décadas pelo Instituto Socioambiental (ISA),(2)
produção); assim como em razão da expansão da indús- sob coordenação de Fany Ricardo. A formação de uma
tria da biotecnologia e os mercados a ela associados. E, ampla rede de colaboradores em todo o país, bem como
ainda, pela atuação de movimentos e campanhas que o acúmulo de informações sistematizadas e georreferen-
fazem convergir bandeiras ambientais e sociais (incluindo ciadas ao longo desses anos, possibilitaram a elaboração
as relativas a minorias étnicas) com a crítica ao modelo desse consistente material de consulta e nos encorajaram
de produção e distribuição de bens e poder sob a égide
a adentrar o terreno acidentado, muitas vezes convertido
da chamada globalização.
em campo minado, das sobreposições. Longe de esgotar
Ainda assim, o equacionamento de justiça social e
o tema, a intenção foi proporcionar uma visão panorâmica
equilíbrio ambiental não se constitui uma operação sim-
dessa problemática no país, que pode vir a contribuir para
ples. E quando se trata de um cenário multiétnico, esses
conceitos não podem ser tomados em sentido unívoco.
* Antropóloga, coordenadora do Programa Monitoramento de Áreas Protegi-
Os casos de Unidades de Conservação (UCs) criadas
das/Povos Indígenas no Brasil do ISA.
em áreas de ocupação de populações nativas configuram
** Antropóloga, pesquisadora do Programa Monitoramento de Áreas Protegi-
um exemplo emblemático de sobreposição de diferentes das/Povos Indígenas no Brasil do ISA.
valores, tradições e concepções, configurando por isso 1 Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente de 2002, o Brasil possui a
um desafio socioambiental. maior cobertura de florestas tropicais do mundo e situa-se no topo dos países
com maior biodiversidade possuindo entre 15 e 20 % das 1,5 milhões de
Tal é o desafio a que se propõe esta publicação:
espécies descritas na Terra, cerca de 55 mil espécies de plantas superiores
mapear os conflitos e avançar na reflexão a respeito das (22% do total mundial), 524 espécies de mamíferos, 1.677 de aves, 517 de
sobreposições entre terras destinadas a diferentes usos anfíbios e 2.657 de peixes.
2
Em período anterior à existência do ISA, fundado em 1994, essa pesquisa
no Brasil, particularmente Unidades de Conservação e
era realizada em uma das ONGs que deram origem ao Instituto, o Cedi (Centro
Terras Indígenas (TIs). Para tanto, percorre um longo Ecumênico de Documentação e Informação).
Terras indígenas e Unidades de Conservação da naTUreza 7
qualificar interlocuções e encaminhamentos, os quais, razão do processo de consolidação dos direitos indígenas,
acreditamos, devem seguir rumos diversos, de acordo com cujos desdobramentos incluem o reconhecimento ou am-
os enredos e personagens de cada contexto. pliação de terras incidentes nos perímetros de UCs. Os
Inequivocamente, essa é uma aposta editorial arris- conflitos costumam adquirir feições mais graves nas terras
cada, já que reunimos textos divergentes e por vezes fora da Amazônia Legal, onde as extensões via de regra
contraditórios. Parte deles, inclusive, não compartilha são menores, com o entorno mais degradado e ocupação
com o ISA o paradigma socioambiental. A aposta, en- mais densa e antiga por parte da sociedade envolvente.
tretanto, é no sentido de que compreender as razões do Ocorre que, no caso da Mata Atlântica, restam pouco
outro, se não dissolve a discordância, talvez seja a única mais de 7% de sua formação original. Parte dos am-
possibilidade de que as diferenças – de visão de mundo, bientalistas que trabalham ou atuam na defesa das UCs
de modo de vida, de missão institucional, entre outras – nessa região defendem enfaticamente sua preservação,
deixem de tomar a forma exclusiva do antagonismo para apontando as fragilidades e o alto grau de endemismo dos
se reconfigurarem em formas de intercâmbio, negociação, ecossistemas que protegem, e a necessidade de serem
aprendizagem, tolerância, acordo. Acreditamos, assim, integralmente interditados a quaisquer usos diretos, mes-
que é sobretudo no terreno da política que os conflitos mo para atividades de subsistência de algumas famílias.
decorrentes de sobreposições territoriais podem chegar No panorama das sobreposições entre UCs e TIs,
a um bom termo. mesmo na Amazônia, este é o pano de fundo para o em-
É fato que a Constituição de 1988 representou avanços bate acirrado entre os defensores irrestritos das UCs de
significativos no que diz respeito ao reconhecimento dos Proteção Integral e, no extremo oposto, os índios e seus
(3) (4)
direitos indígenas e dos direitos ambientais. Ocorre apoiadores, que reconhecem a área sobreposta como
(5)
que, em período anterior, diversos Parques haviam territórios de ocupação histórica indígena ou propícia à
sido criados em áreas de ocupação indígena. Em muitos sua reprodução física e cultural.
(6)
casos, apesar de confrontar a legislação vigente, isso Dependendo do contexto em que se dá a sobreposição
não era necessariamente reconhecido como problema e da trajetória dos atores envolvidos, por dever de ofício ou
para os representantes dos órgãos ambientais do governo outras formas de engajamento, há um amplo espectro de
porque tais grupos indígenas ainda mantinham um contato posicionamentos entre as posturas extremadas dos que
intermitente com a sociedade nacional, sendo alheios a defendem a interdição incondicional da ocupação indígena
seus usos e costumes. Por isso, foram considerados como em UCs e daqueles que defendem em quaisquer situações
parte da paisagem, poder-se-ia mesmo dizer, como parte a revogação da UC em favor da demarcação da TI. De
da natureza local. todo modo, na maioria dos casos o que há é uma inter-
Com o passar dos anos, contudo, a expansão da fron-
teira amazônica e o adensamento da ocupação no restante
3
Em seu artigo 231, a carta constitucional reconheceu aos povos indígenas
do país, sob a hegemonia do modelo desenvolvimentista
direitos originários – ou seja, anteriores à formação do Estado – sobre as
nos governos militares, foram responsáveis por um dos terras que tradicionalmente ocupam, bem como aquelas necessárias à sua
reprodução física e cultural. Assegurou-lhes ainda o respeito à sua organização
períodos mais intensos de depopulação e expropriação
social, costumes, línguas, crenças e tradições.
de povos indígenas no território nacional, promovendo 4
O artigo 225 da Constituição estabelece como direito e dever de todos a
também o estreitamento do contato de muitos grupos com garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes
e futuras gerações. Para tanto, atribui ao Estado a responsabilidade de definir
o restante da sociedade. Tal processo envolveu a incor-
espaços territoriais especialmente protegidos, entre os quais as Unidades de
poração – mais ou menos intensa, de acordo com o caso
Conservação.
5
– de costumes e necessidades exógenas por parte das Particularmente a partir de 1959, com a criação do Parque Nacional do Ara-
guaia em reconhecida área de ocupação de grupos de língua Karajá.
populações indígenas. Conseqüentemente, muitos índios
6
Particularmente nas unidades criadas após 1965, quando foi instituído o
deixaram de encaixar-se na imagem do “bom selvagem” Código Florestal brasileiro, que define Parque Nacional como uma unidade de
– caracterizado por uma suposta relação inerentemente proteção integral da fauna e da flora, passando a excluir a possibilidade legal
da existência de populações humanas habitando em seu interior. Na década
harmônica com a natureza e pela impermeabilidade aos
seguinte, em 1973, o Estatuto do Índio, determinava: “Cabe aos índios ou
padrões da cultura ocidental – para serem enquadrados silvícolas a posse permanente das terras que habitam e o direito de usufruto
por segmentos da sociedade nacional na categoria de exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras exis-
tentes” (cap. II, art. 22). E ainda: “O reconhecimento do direito dos índios e
“predadores” dos recursos naturais nas áreas protegidas.
grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos
Nos últimos anos, os conflitos decorrentes de sobrepo- do artigo 198, da Constituição Federal, independerá de sua demarcação, e
sições territoriais vêm acentuando seus matizes, seja por- será assegurado pelo órgão federal de assistência aos silvícolas, atendendo
à situação atual e ao consenso histórico sobre a antiguidade da ocupação,
que os casos antigos acirraram suas animosidades, seja
sem prejuízo das medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão,
porque novos casos vêm sendo deflagrados, sobretudo em tomar qualquer dos Poderes da República” (cap. II, art. 25).
8 Terras indígenas e Unidades de Conservação da naTUreza
Description:Lyster (1985) observa que Akhenaten, rei do Egito, teria estabelecido uma área especial como Reserva Natural por volta do ano de 1370 AC. Outros .. para além delas, influir em decisões políticas para inverter atividades ou tendências econômicas que causem ou pos- sam causar significativa