Table Of ContentUNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA,LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Pós-graduação – História Social
AS LUTAS ANTI-RACISTAS DE AFRO-DESCENDENTES
SOB VIGILÂNCIA DO DEOPS/SP
(1964-1983)
Dissertação de mestrado entregue como parte da avaliação para obtenção do título de
Mestre, sob orientação da Profa. Dra. Leila Maria Gonçalves Leite Hernandez.
Karin Sant’ Anna Kössling
no USP: 3112661
São Paulo, 2007
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SUMÁRIO
RESUMO
AGRADECIMENTOS
ABREVIAÇÕES
INTRODUÇÃO
I –LUTAS ANTI-RACISTAS SOB O OLHAR DO DEOPS/SP
1.1) Aspectos dos Aparatos Repressivos
1.2) Repressão e vigilância aos movimentos negros brasileiros
II – OS DISCURSOS POLICIAL E MILITAR
2.1)Os discursos sobre o negro: estigmas e estereótipos
2.2)Os discursos sobre os movimentos de independência africanos
2.3)Os discursos sobre os movimentos negros dos Estados Unidos
III- MOVIMENTOS NEGROS E SEUS PRINCIPAIS DEBATES
3.1)Afro-marxismo
3.2)Críticasas estruturas do regime militar
3.3)Negritude e Pan-africanismo
3.4)África: o colonialismo e o racismo
3.5)Os conflitos raciais nos Estados Unidos
3.6)Construção do herói: Zumbi e o Dia da Consciência Negra
IV- CARACTERÍSTICAS DOS MOVIMENTOS NEGROS BRASILEIROS
4.1) Diálogo com outros movimentos
4.2) A visão do MUCDR e MNU
4.3)Divergências e Unidade
4.4) Os partidos políticos e as “comissões de negros”
V - CONSIDERAÇÕES FINAIS
VI. Fontes
VI. Bibliografia
VIII. Anexos
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Dedico essa dissertação a todos aqueles que sofreram perseguições políticas
1 Xérox do cartaz do MNU de divulgação do seu III Congresso, de 1982. In Sumário Semanal de Informações
do CODIN/COSEG, do período entre 26/3 a 1/4/1982, de 2/4/1982, fl. 14. Dossiê 50-H-84- 5457. DEOPS/SP,
DAESP.
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RESUMO
O tema principal desta dissertação é a vigilância e a repressão do regime militar
brasileiro as lutas anti-racistas no período de 1964 a 1983, por meio da documentação do
DEOPS/SP. Buscamos compreender as lógicas por de trás da vigilância policial,
investigando, em especial, o preconceito e a persistência de estigmas e estereótipos raciais
no discurso sustentado pela polícia política.
Ao mesmo tempo, ao pesquisar as noções e classificações policiais sobre os
movimentos negros também obtivemos parte dos discursos empregados pelos ativistas
destes movimentos. Assim, visamos compreender as contraposições entre os discursos e
ações sustentados pelos aparatos policiais envolvidos no regime militar e os apresentados
pelas lutas anti-racistas dos afro-descendentes no Brasil.
ABSTRACT
The central theme of this dissertation is the vigilance and the repression from the
brazilian military regime on the subject of the anti racist fights at the period of 1964 at
1983, through the documentation from the DEOPS/SP. To embrace the logic behind the
police alertness we inquired, particularly, the bias and the persistence of racial stigmas and
stereotipiesat the discourse supported by the policy police.
At the same time, on seeking the police ideas and classifications about blacks
movements as well we got some of the discourses employed by the militants of these
movements. In this manner, we aim to understand the counterpoints among the discourses
and the actions suffered by the police display involved at the military regime and the
presented by the afro-descendants anti-racistfights in Brazil.
PALAVRAS-CHAVES
Movimento Negro, Regime Militar, Racismo, DEOPS, Polícia Política
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Ivan Padilha Kössling e Vera Terezinha Sant’ Anna Kössling, por todo
suporte emocional, financeiro, estrutural, educacional, etc etc. Por tudo de bom que vocês
proporcionaram na minha criação e que com muito orgulho formou e influenciou quem eu
sou e que me possibilitou chegar até aqui.
Aos professores de todos os níveis educacionais pelo qual eu passei, e com quem tive o
prazer de aprender a gostar de aprender, ou seja, ter o gosto pelos estudos. Em uma época
que a docência parece cada vez ter menor valor em nossa sociedade quero aqui reafirmar a
importância que cada professor teve em minha formação. Em especial, agradeço a duas
importantes professoras que marcaram minha trajetória de pesquisadora: A Profa. Dra.
Maria Luiza Tucci Carneiro, que me orientou na iniciação científica durante a graduação
em História; e a Profa. Dra. Leila Maria Gonçalves Leite Hernandez, que orientou a
presente pesquisa sempre com muita generosidade, atenção e zelo.
Aos meus queridos alunos que me ensinaram a ser professora. Aos colegas de
magistério que com seu companheirismo sempre apoiaram a realização deste mestrado.
Ao Marcos Aurélio Nogueira Lourenço que durante a pesquisa me auxiliou com sua
amizade e companheirismo. Além de ouvir todas minhas angústias decorrentes do processo
de pesquisa, ele esteve intimamente ligado a este e outros trabalhos lendo-os e fazendo
gratuitamente a revisão.
Ao Marcos Antonio Veiga Lopes por sua infinita amizade, um grande amigo e um
grande exemplo de pesquisador e historiador. Colega de faculdade, de pesquisas, de
dúvidas, de angústias, de metodologias, teorias, etc.
Ao Márcio Macedo (Kibe) por sempre fornecer auxílio nessa minha jornada pelos
movimentos negros, desde a graduação até o mestrado. Além de ser um excepcional
pesquisador sobre os movimentos negros, com dissertação de mestrado que trouxe uma
grande contribuição no assunto.
Aos diversos amigos e colegas que fizeram parte dessa dissertação, seja de forma direta
ou indireta. Valeu pela compreensão das várias vezes que tive que dizer não. Maya Tamie
Nakahara, Vania Vaitieka, Kelly Jardim, Érika Cunha, Leandro de Almeida, Karina Alves
Teixeira, Dayane Nogueira e tantos outros.
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Aos colegas do PROIN, projeto coordenado pelos professores Dr. Boris Kossoy Dra.
Maria Luiza Tucci Carneiro, que fizeram presente nas minhas pesquisas desde a graduação.
Aos colegas do grupo de alunos orientados pela Profa. Dra. Leila Maria Gonçalves
Leite Hernandez: Regiane, Gabriela, Joceley, Paulo Manoel, entre outros. Especialmente a
Marly Spacadieri que sempre nos auxiliou na logística desse processo.
Aos funcionários do Arquivo do Estado de São Paulo que auxiliaram a adentrar neste
universo documental.
Aos Profs. Dr. Antônio Sérgio Alfredo Guimarães e Dra. Maria Luiza Tucci Carneiro
pelas contribuições de grande valia na qualificação deste trabalho.
Ao CAPES pelo apoio financeiro, concedendo bolsa de estudos.
E por fim a todas as entidades espirituais que me acompanham, estas afiaram minha
intuição para a localização dos documentos que compõe essa pesquisa. A minha fé nessas
entidades também fez com que eu tivesse forças para enfrentar todos os obstáculos que se
apresentaram no processo. Salve!
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ABREVIAÇÕES
AI – Ato Institucional
ASI -Assessorias de Segurança e Informações
CEABAR – Centro de Estudos Afro-brasileiro “André Rebouças”
CENIMAR - Centro de Informações da Marinha
CIA – Agência de Inteligência dos Estados Unidos
CIDAC - Centro de Informação e Documentação Anti-colonial
CIE - Centro de Informações do Exército
CISA - Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica
CN – Cadernos Negros
CODI - Centros de Operações de Defesa Interna
CS – Convergência Socialista
DEOPS – Departamento Estadual de Ordem Política e Social
DGS - Direção Geral de Segurança
DOI – Destacamentos de Operações de Informações
ESG – Escola Superior de Guerra
EsNI – Escola Nacional de Informações
EUA – Estados Unidos
FBI – Federal Bureau of Investigation - Polícia Federal dos Estados Unidos
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola
FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique
FRENAPO– Frente Negra para a Ação Política de Oposição
GRAE - Governo Revolucionário de Angola no Exílio
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPM – Inquérito policial militar
KGB – Serviço Secreto da União Soviética
LSN - Lei de Segurança Nacional
MNUCDR – Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial
MNU – Movimento Negro Unificado
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MUCDR- Movimento Unificado contra a Discriminação Racial
MPLA - Movimento pela Libertação de Angola
MR 8 – Movimento Revolucionário 8 de outubro
OBAN – Operação Bandeirante
ONU – Organização das Nações Unidas
OP – Ordem Política
OS – Ordem Social
PAIG - Partido Africano da Independência de Guiné e Cabo Verde
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PIDE – Polícia política portuguesa
PM – Polícia Militar
PT - Partido dos Trabalhadores
PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SACHAC – Sociedade Habitacional de Carapicuíba
SNI – Serviço Nacional de Informação
SISNI – Sistema nacional de informações
SISSEGIN – Sistema nacional de segurança
SWAPO - Organização do Povo do Sudoeste Africano
UMES – União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas
UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USP – Universidade de São Paulo
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INTRODUÇÃO
“Ébano
(Luis Melodia)
Canta Luis Melodia
Meu nome é Ébano/ Venho te felicitar tua atitude/ Espero te encontrar com mais saúde /
Me chamam Ébano / O novo peregrino sábio dos enganos / Seu ato dura pouco tempo se
estragando / Eu grito Ébano / O coro que cobre a carne não tem planos / A sombra da
neurose te persegue há muitos anos / Do Rio de Janeiro estou te sacando / Do centro da
cidade vou te assemelhando / No núcleo do seu crânio eu mostrei meu jogo / Tem a quem
te amando / Pessoal passando / E só eu ficando” 2
O objetivo central dessa pesquisa de mestrado foi analisar como se desenvolveu a ação
vigilante e repressiva aos movimentos negros pelo regime militar de 1964 a 1983,
investigando o preconceito e a persistência de estigmas raciais no discurso sustentado pela
polícia política, o DEOPS/SP, órgão repressor do Estado que forma a principal fonte
documental investigada.
Nesse sentido, o recorte cronológico de 1964 a 1983, tem seu início com o Golpe de
1964 e se encerra com o desativamento oficial do DEOPS/SP, em 1983. Esta instituição
tinha como dever atribuído pelo Estado coibir o crime político, tornando-se um sistema de
repressão que procurou controlar a disseminação de idéias contestatórias e reprimir a
atuação política da sociedade. A preocupação em manter o controle social levou os
militares a organizarem vários órgãos, formando um complexo aparato repressivo por meio
da atuação do Serviço Nacional de Informação, das Seções das Forças Armadas, dos
COI/CODI e dos DOPS estaduais que integravam a comunidade de informações e
segurança.
É preciso ressaltar que a vigilância aos movimentos negros por parte do DEOPS/SP não
foi iniciada com o regime militar. Desde a década de 1930, em geral, ocorreu uma atuação
repressiva às associações afro-descendentes, sustentada por uma visão policial que
classificava essas associações como “introdutoras” da questão racial no Brasil e, por
conseqüência, geradora de conflitos que poderiam desestabilizar a “democracia racial
brasileira”.3 Haroldo Costa, em sua obra Fala Crioulo alerta que: “cada vez que há um
2Dossiê 50-Z-138- 806. DEOPS/SP, DAESP.
3 Estudo realizado por mim em Iniciação Científica, financiado pela FAPESP e orientado pela Profa. Dra.
Maria Luiza Tucci Carneiro, com a documentação do DEOPS: Movimentos Negros: Identidade étnica,
Identidade política (1924-1950). A ser publicado na Série Inventários do Arquivo do Estado de São Paulo.
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endurecimento, um fechamento político, o negro é atingido diretamente porque todas as
suas reivindicações particulares, a exposição de suas ânsias, a valorização de sua história,
desde que não sejam feitas segundo os ditames oficiais, cheiram à contestação
subversiva.”4 Esta constante vigilância e repressão aos movimentos negros ao longo do
século XX, sobretudo entre 1964-1983, é o principal eixo deste trabalho.
Historicamente esta repressão se traduz em violências e mecanismos de legitimação do
uso da força contra os “inimigos”. Importante salientar que a violência não se limita a uma
simples oposição à pacificação de um mundo equilibrado e homogêneo, que pressupõe uma
ordem social. “Violência é uma palavra carregada de conteúdos negativos. Na linguagem
ordinária, jornalística ou jurídica, a qualificação de um ato como sendo violento comporta
uma condenação.” 5 No entanto, a pacificação não é um processo unidirecional e muito
menos a paz é um valor absoluto, a paz também se impõe pela força, estados de paz são, em
geral, temporários e frágeis. Assim, a violência é a utilização da força física na regulação
das relações sociais e, violência política é o uso da força em situações públicas, em relações
sociais compreendidas pelos agentes sociais como próprio do mundo da política. 6 Desta
forma, o uso da força situa-se no tempo e no espaço social e é relativo a posições e pontos
de vista, de forma que o que é legítimo ou justo em um momento ou para um grupo social,
em outro momento ou para outro grupo pode não o ser.
Sob essa perspectiva, investigamos o projeto político envolvido na construção do
pensamento autoritário do regime militar acerca da identificação e da perseguição dos
adjetivados como “inimigos” do regime. Nesse sentido, visamos compreender as condições
sociais e os motivos que levaram os militares a legitimar o uso da força para fazer política e
impor seus ideais de sociedade. Priorizamos os consensos presentes nos projetos políticos
dos militares no poder. No entanto, essa política não pode ser pensada como um bloco
monolítico, uma vez que apresentou especificidades nas suas lutas e em seus embates, o
consenso sobre determina e impede a existência de dissenso.
O período histórico que estudamos possibilitava espaço para que certos setores sociais
fossem classificados como aliados ou inimigos pelos grupos de poder. O golpe militar de
4 COSTA, Haroldo. Fala Crioulo. Rio de Janeiro: Record, 1982,s/ n. pg.
5 NEIBURG, F. “O naciocentrismo das ciências sociais e as formas de conceituar a violência política e os
processos de politização da vida social” In NEIBURG, F. [et al]e WAIZBORT, L. (org) Dossiê Nobert Elias.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999, p. 41.
6NEIBURG, F. Op. Cit., p. 44.
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Description:pelas lutas anti-racistas dos afro-descendentes no Brasil polícia política, o DEOPS/SP, órgão repressor do Estado que forma a principal fonte.